O vírus que chegou da Holanda

Se for este o caminho que a União Europeia decidir tomar, então há que questionar a necessidade da sua existência, tal como agora a conhecemos, mesquinha e gananciosa.

Pelas afirmações feitas pelo primeiro-ministro português, o Conselho Europeu de 26 de Março não esteve à altura de tomar as decisões que são exigidas neste momento de pandemia. Com muitos países europeus ainda a braços com a recuperação económica e social, depois de quase uma década de políticas austeritárias, subitamente um agente biológico obrigou a que se desviassem volumosas somas de recursos financeiros para habilitar os sistemas de saúde a responderem oportunamente às exigências do momento. Mas também para apoiarem famílias, trabalhadores, empresas e população mais vulnerável.

De norte a sul, de leste a oeste da Europa não há país que esteja a passar incólume por esta situação. Todos, em maior ou menor grau, estão a ser atingidos por este fenómeno. Todos também, na medida da avaliação que fizeram da situação, accionaram os mecanismos institucionais para debelarem o alastramento da infecção. É reconhecido que foi diferente a precocidade e proporcionalidade com que as medidas foram tomadas; porém, é compreensível que em ambiente de elevada incerteza assim acontecesse, e que os erros cometidos tenham resultado do desconhecimento científico que havia sobre o agente causal. Só agora é que começa a haver uma base técnico-científica sobre a natureza do vírus e das medidas que devem ser tomadas para conter a sua propagação.

Sendo que se trata de uma pandemia, nesta altura o valor mais importante que deve estar presente em todas as decisões é a solidariedade entre os países, neste caso entre os países europeus. Por isso, as declarações do ministro das Finanças holandês, que defendeu que a Espanha devia ser investigada por ter afirmado que “não tinha margem orçamental para lidar com os efeitos da crise provocada pelo coronavírus”, procurando dessa maneira arranjar um álibi para que a União Europeia não tome as medidas que as circunstâncias reclamam, são precisamente o contrário do que devia estar a acontecer.

Com a proporcionalidade decorrente das medidas que os governos estão a tomar para que os respectivos países não se transformem em estátuas de sal, o gesto de maior significado que a UE devia estar a dar era abrir os cordões à bolsa e concentrar-se solidariamente no apoio a quem mais precisa. A tese holandesa, acompanhada pela Áustria, Finlândia e Alemanha, a confirmar-se, é um sinal de que se procura regressar aos argumentos da crise do subprime e castigar os países em que a pandemia está a ter maior impacto. Desta vez, porém, tudo indica que um número já considerável de países não está para aí virado, rejeitando regressar ao desemprego, ao empobrecimento e à exclusão.

Contudo, se for esse o caminho que a UE tomar, então há que questionar a necessidade da sua existência, tal como agora a conhecemos, mesquinha e gananciosa. Mais do que um espaço de livre circulação de pessoas, bens e conhecimento, se não for também, e sobretudo, um espaço de circulação de solidariedade, mais vale equacionar a sua existência. Não tanto para cada um se fechar a sete chaves, mas para que se construa uma outra UE, aquela que está pronta a mutualizar todas as ajudas que forem necessárias sempre que um dos seus membros estiver a passar por tempos difíceis.

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