Coronavírus: como funcionam os ventiladores e porque são vitais?

Os ventiladores escasseiam no mercado, mas podem representar a diferença entre a vida e a morte para os doentes mais críticos da covid-19. Em Portugal, estão encomendados 500 aparelhos. Noutros países os Governos já pediram à indústria automóvel que os comece a produzir.

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Na unidade de cuidados intensivos dedicada a doentes covid-19 no Instituto Nacional de Pulmonologia Koranyi, em Budapeste, Hungria EPA/Zoltan Balogh

As autoridades de saúde de todo o mundo estão a tentar obter os ventiladores disponíveis no mercado – que se revelam ser insuficientes face ao aumento da procura. Mas para que servem? De que nos podem valer nesta “guerra” contra a covid-19? Para alguns doentes, em estado particularmente grave, poderão ser a diferença entre a vida e a morte.

Já se sabe que a maioria das pessoas infectadas com o SARS-CoV-2 (o vírus que provoca a doença covid-19) vai ter apenas sintomas leves – tosse, dificuldade respiratória, febre —, e que cerca de 80% dessas pessoas poderão ser tratadas em casa, de acordo com as estimativas da Direcção-Geral da Saúde. Dos restantes, 15% serão internados em enfermaria geral e “5% poderão precisar de cuidados intensivos”, explicou Graça Freitas, numa conferência de imprensa na semana passada.

É para este último grupo que a existência de ventiladores poderá ser vital.

Pelo menos é esta a opinião de Sarath Ranganathan, director do serviço de medicina respiratória e do sono no The Royal Children’s Hospital de Melbourne (Austrália), que falou ao The Guardian sobre a questão dos ventiladores: “A experiência em Itália e Espanha, e o modelo usado por matemáticos em todo o mundo, indica que o número de pessoas que irão ficar criticamente doentes com covid-19 irá exceder muito a capacidade de as tratar com apoio respiratório”.

“Sem acesso aos ventiladores, muitos pacientes que poderiam sobreviver à doença irão morrer.”

Como funcionam os ventiladores?

Um ventilador mecânico é uma pequena máquina usada para auxiliar a respiração de pessoas com doenças respiratórias graves com impacto nos pulmões – como a pneumonia ou a covid-19.

O doente é sedado e é-lhe administrado um relaxante muscular – normalmente este processo é levado a cabo por um médico anestesista — antes de ser entubado. O tubo é colocado através da boca até à traqueia e depois ligado ao ventilador. Uma vez ligado, o ventilador bombeia ar e oxigénio até aos pulmões, sendo que os médicos podem ajustar a velocidade e a quantidade de oxigénio.

Se o doente precisar de ficar ventilado durante muito tempo, será melhor fazer uma traqueostomia, ou seja, abrir um buraco na garganta para que o tubo chegue directamente à traqueia. Esta opção não traz problemas a longo prazo (porque o buraco fecha) e permite que os doentes fiquem conscientes.

Como se escolhe quem precisa? Quanto tempo dura o tratamento?

Para que os médicos tomem a decisão de ligar um doente a um ventilador, precisam de identificar sinais de falha respiratória grave nos doentes. “A velocidade de respiração aumenta, as pessoas ficam aflitas, o CO2 no sangue sobe e podem até ficar confusas”, explica David Story, director adjunto do Centro Integrado de Cuidados Intensivos da Universidade de Melbourne, ao The Guardian.

Um adulto normal respira cerca de 15 vezes por minuto, mas um adulto com falha respiratória grave pode respirar até 28 vezes por minuto – um sinal de que precisa de auxilio externo para sobreviver.

Antes de recorrer aos ventiladores, os médicos vão tentar outras formas de regularizar os níveis de oxigénio do doente: formas não invasivas, como a utilização de botijas de oxigénio.

Quando essa missão se revela impossível e o médico responsável determina que é necessário um ventilador, começa a luta contra o tempo. Numa situação crítica, os médicos têm apenas cerca de 30 minutos para ligar o paciente a um ventilador. E no caso da covid-19, os doentes podem ficar ventilados durante várias semanas.

Quantos ventiladores há em Portugal?

De acordo com os números da DGS, divulgados na semana passada, há 1142 ventiladores – 528 nos cuidados intensivos, 480 em bloco operatório e 134 como capacidade de expansão – no sector público e 250 no sector privado. 

Aos já existentes, irão somar-se mais 500 ventiladores vindos da China, que já estão a caminho, disse António Costa, em entrevista à TVI na última segunda-feira. Portugal pagou por eles 9,3 milhões de euros e deverão chegar “progressivamente até ao dia 14 de Abril”.

Em conjunto com esses ventiladores chegará todo o material de suporte, distribuídos pelos hospitais de acordo com as necessidades. O objectivo é que cumpram a sua função para lá desta crise, disse António Sales Lacerda, numa conferência de imprensa esta sexta-feira. Quanto ao preço individual  destes aparelhos, o secretário de Estado da Saúde diz que “depende muito": os mais baratos no mercado custam 11 mil euros; os mais caros 80 mil.

Paralelamente, outras instituições têm estado a fazer donativos. Por exemplo, “via EDP houve 50 ventiladores mobilizados” e uma investidora chinesa (cujo nome não foi revelado) fez uma doação de 78 ventiladores que serão entregues via embaixada chinesa em Portugal, revelou o primeiro-ministro.

A comunidade científica também parece estar mobilizada para fazer face à possível carência destes dispositivos. Os institutos politécnicos de Viseu e de Leiria anunciaram no domingo que desenvolveram dois protótipos de ventiladores. Ambos poderão ser fabricados em série depois de licenciados.

Como apenas uma minoria de doentes precisará de ventiladores, João Carlos Winck, coordenador do grupo de ventilação não invasiva da Sociedade Europeia Respiratória, dizia ao PÚBLICO a 14 de Março que em Portugal há vários lugares em cuidados intermédios para os doentes que não necessitam de ventiladores e que há vários profissionais habilitados a tratar esses doentes menos graves.

No entanto, salienta, não basta ter ventiladores, é necessário ter profissionais habilitados para os usar.

Como estão a fazer outros países?

Na Austrália, investiga-se se os ventiladores usados por veterinários podem ser convertidos e usados em humanos, assim como as máquinas usadas para casos de apneia do sono e por anestesistas. Os ventiladores das ambulâncias também estão na retaguarda, pois podem servir de auxílio em caso de necessidade.

Na Alemanha, o Governo pediu às construtoras automóveis que se concentrem na produção de equipamentos médicos, como máscaras ou ventiladores. Em Itália, duas gigantes dos automóveis – a Ferrari e a Fiat – também se mostraram disponíveis para construir estes aparelhos. Em Espanha, foi a Seat a dar um passo em frente e anunciar o mesmo.

Nos EUA, Donald Trump ainda duvida da necessidade de vários milhares de ventiladores para ajudar a combater a covid-19: “Eu não acredito que precisem de 40 mil ou 30 mil ventiladores”, afirmou em entrevista à Fox News.

Em Nova Iorque, e face à escassez destes aparelhos, as equipas de anestesistas e cuidados intensivos do Hospital Presbiteriano de Nova Iorque experimentaram colocar dois doentes ligados a um mesmo ventilador, através de um tubo com uma divisão, escreve a Reuters. Até agora foi bem-sucedida, mas a comunidade médica alerta para os riscos: os dois pacientes podem não precisar os dois do mesmo nível de oxigénio, por exemplo.

O governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, afirma que a solução “não é a ideal”, mas “funciona”. A cidade foi uma das mais atingidas pelo surto nos EUA e tem apenas alguns milhares de ventiladores. Precisa de muitos mais.

A mensagem, no entanto, mantém-se. Para que sejam precisos menos ventiladores, é preciso reduzir o número de pessoas infectadas com a doença, seguindo os conselhos das autoridades sanitárias, como o reforço do distanciamento social e as regras de higiene, e garantir que não adoecem todas ao mesmo tempo, sobrecarregando os sistemas nacionais de saúde. Ou seja, é preciso “achatar a curva” de novas infecções. 

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