Mocímboa da Praia: “O culminar do trágico fracasso do governo moçambicano”

Jihadistas ligados ao grupo Al-Shabab atacaram e hastearam a bandeira na vila do Norte de Moçambique. Para Elísio Macamo, este incidente demonstra que o Presidente moçambicano “não está à altura de governar” o país.

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A vila de Mocímboa da Praia foi o alvo do mais recente ataque dos insurgentes islamitas Luís Fonseca/Lusa

A directora-adjunta da Amnistia Internacional para a África Austral, Muleya Mwananyanda, não tem dúvidas, o ataque e ocupação de um quartel de Mocímboa da Praia, na província de Cabo Delgado, na segunda-feira, por insurgentes ligados ao grupo islamista Al-Shabab, “é o culminar do trágico fracasso do governo moçambicano em proteger as pessoas nesta área volátil” do Norte de Moçambique.

A vila amanheceu calma esta terça-feira, depois de um dia de troca de tiros em algumas zonas. Não se sabe ainda em quantos mortos resultou o ataque, embora um residente tenha dito à Lusa, por telefone, que há vários cadáveres abandonados nas ruas: “Estamos a encontrar pessoas mortas, entre militares e civis. Alguns perderam a vida algemados.”

O comandante-geral da polícia, Bernardino Rafael, numa conferência de imprensa em Maputo, confirmou que “os malfeitores atacaram a sede de Mocímboa da Praia, incluindo um quartel das forças de defesa e segurança e içaram a sua bandeira”.

Além do hastear da bandeira no quartel militar, o ataque em Mocímboa da Praia mostra que os insurgentes estão “a ficar mais atrevidos”, como refere o analista Alexandre Chiure à Voz da América. Sinal de que têm mais capacidade, em termos de equipamento e de homens para efectuar ataques em maior escala (uma fonte disse à Lusa que, há duas semanas, um grupo de 43 homens deixou a vila para se juntar aos jihadistas). “Cabo Delgado tem 16 distritos e a informação que nós temos é que nove desses distritos já estão afectados por esses ataques”, acrescentou.

Desde 2017 que a província de Cabo Delgado é alvo de ataques de um grupo de jovens que terá começado a ser radicalizado precisamente numa mesquita de Mocímboa da Praia, que é sede de um distrito maioritariamente rural. Em quase três anos, pelo menos 700 pessoas foram mortas, segundo os Médicos Sem Fronteiras, e há mais de 100 mil deslocados internos, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

“Suponho que mais tarde, ou mais cedo, algo assim fosse acontecer. A vulnerabilidade do nosso país é, infelizmente, evidente”, escreveu no Facebook Elísio Macamo, professor moçambicano da Universidade de Basileia, antes de afirmar que nem tudo “é uma fatalidade”, porque há muito aqui de “falta de liderança”.

“O Presidente Nyusi e as pessoas e estruturas que o rodeiam não parecem estar à altura do desafio de governar um País como o nosso”, refere o professor de Sociologia e Estudos Africanos, acusando o Governo de fraca cultura de comunicação, deixando o país ser alimentado por rumores, de autismo, ao não ouvir os especialistas, e falta de estratégia para lidar com o problema difícil de uma insurgência armada de cariz religioso.

Elísio Macamo lembra que em 2017, aquando dos primeiros ataques, o comandante geral da polícia “prometeu resolver o problema em dois dias”, mas nem em dois anos isso aconteceu, sem que se conhecessem “as consequências estruturais” que a falta de cumprimento do prometido acarretou na organização da polícia.

Esconder o problema

Moçambique é um país grande e a distância entre Mocímboa da Praia, no Norte, para a capital, Maputo, no extremo sul, vai para lá dos 2663 km de estrada; acentua-se pela concentração das decisões em Maputo e que as últimas eleições de Outubro passado, em que se escolheram nas urnas pela primeira vez os governadores, não vieram resolver. Com isso, a descentralização do poder permanece “refém do poder executivo do chefe de Estado”.

E Filipe Nyusi é um Presidente sem capacidade de liderança, escolhido por um “partido que durante décadas conduziu os destinos” de Moçambique, mas se recusa “a assumir a responsabilidade pelo país que ele próprio construiu”.

A socióloga Isabel Maria Casimiro, num comentário ao texto de Elísio Macamo, realça que “desde 2003, pelo menos” que falam “do que se passa em Nampula e Cabo Delgado”. “Quem de direito não nos ouve! Nunca nos ouve quando o que dizemos não é o que querem ouvir. Colegas do Parlamento disseram-me que, eu, intelectual, nada entendo da realidade”, desabafou a professora da Universidade Eduardo Mondlane.

Aliás, as autoridades esforçam-se para colocar obstáculos à recolha de informação que permita entender melhor o que se passa em Cabo Delgado. Como refere a nota à imprensa de Muleya Mwananyanda, a situação tem-se agravado “pelo facto de o Governo proibir jornalistas, investigadores e observadores estrangeiros de aceder a essa região”.

Um blackout informativo que permite também esconder a incapacidade das forças de defesa e segurança para resolver ou pelo menos minimizar o problema. Em Fevereiro, o porta-voz do ACNUR, Andrej Mahecic, falava de uma escalada brutal da violência nos últimos meses. “Os que fogem falam de assassinatos, mutilações e torturas, casas queimadas, casas destruídas e lojas. Temos relatos de decapitações, sequestros e desaparecimento de mulheres e crianças”, disse, citado pela Voz da América.

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