Coronavírus: o impacto na saúde mental dos profissionais de saúde

Alguns profissionais sentem-se desmotivados e, por diversos motivos, não conseguem admitir que estão esgotados, talvez porque foram preparados para curar, não para desistir.

Foto
@petercalheiros

Num momento em que é pedido à população para ficar em casa, aos profissionais de saúde cabe exactamente o contrário: sair para cuidar de quem precisa. Como consequência, este grupo confronta-se com a elevada probabilidade de ficar doente, tanto física como psicologicamente.

Antes de mais, é importante relembrar que os profissionais de saúde são pessoas como nós e, assim, estão sujeitos à doença mental e ao stress. Acabar com tabus e crenças infundadas sobre este tema e aceitar que estas pessoas podem sentir graus elevados de ansiedade, ter um ataque de pânico ou sentir outros sintomas do foro mental é o primeiro passo para a ajuda efectiva.

O combate à covid-19, em que são chamados a estar em constante sobrecarga de trabalho e sob grande tensão — que muitos profissionais assumem heroicamente —, coloca-os na linha da frente para o aumento da sua morbilidade psicológica. É esperado encontrarmos medo (associado ao risco de infecção e de contagiar a sua família), tensão constante, a presença de sintomas de perturbação aguda de stress (por exemplo, humor negativo, mal-estar psicológico intenso, dificuldade de concentração, hipervigilância), esgotamento físico e emocional (proveniente da sobrecarga de trabalho, de uma alimentação deficitária e da falta de sono regular), ansiedade, depressão, sofrimento por terem de tomar decisões difíceis e por verem adoecer ou mesmo morrer doentes e colegas.

Outro aspecto que muitos profissionais já estão a viver é a associação destas problemáticas à necessidade de afastamento da sua família. Muitos deixaram de ir a casa para evitar o contágio dos seus cônjuges e filhos e isto aumenta o sentimento de isolamento.

O impacto da pandemia na saúde mental dos profissionais de saúde pode revelar-se também noutras situações. Um estudo realizado com 338 profissionais de saúde de Taiwan envolvidos no surto da SARS, em 2004, revelou que 20% desses profissionais sentiram-se estigmatizados e rejeitados na sua vizinhança devido ao seu trabalho hospitalar. Quando o trabalho foi regularizado, alguns profissionais reportaram relutância em trabalhar ou tinham considerado demitirem-se.

Para muitos profissionais de saúde, em Portugal ou noutros países, os hospitais e outros locais de cuidados de saúde tornaram-se ambientes altamente tensos, também pela necessidade constante de desinfecção e de colocar e retirar o equipamento de protecção, quando este existe, ou exactamente pela sua inexistência.

Alguns profissionais sentem-se desmotivados e, por diversos motivos, não conseguem admitir que estão esgotados, talvez porque foram preparados para curar, não para desistir. É natural que aqueles profissionais que, por qualquer motivo, já sofriam antes de algum problema psicológico vejam a sua situação agravar-se, embora não haja uma relação directa.

Há uma frase muito difundida nas redes sociais que se aplica bem a esta necessidade: cuidar de quem cuida. No entanto, para que isto seja possível, é preciso aceitar que estas pessoas também precisam de ajuda e parte desta ajuda pode ser dada pela própria população.

É, então, necessário encontrar respostas para ajudar os profissionais de saúde e a nós próprios a diferentes níveis, sendo que os actores sociais que devem ajudar neste momento difícil para todos vão desde os agentes do Estado até ao simples cidadão.

Assim, é preciso prover o material de protecção necessário aos hospitais e clínicas; quebrar preconceitos associados à necessidade de suporte emocional e disponibilizar apoio psicológico/psiquiátrico a médicos, enfermeiros, entre muitos outros; não recorrer de forma leviana às urgências ou à linha SNS24, deixando espaço para quem realmente precisa da ajuda dos profissionais (há muita informação sobre quando as pessoas com sintomas devem procurar estes serviços); manterem-se informados por fontes fidedignas de modo a reduzir a incerteza e saber agir preventivamente.

A educação das pessoas é um forte contributo para evitar a sobrecarga dos profissionais de saúde.

Em resumo, com acções simples podemos ajudar os profissionais de saúde a manterem e até a aumentarem a sua resiliência, ou seja, a capacidade de superar, de um modo adaptativo, a adversidade, mantendo simultaneamente um funcionamento psicológico e físico adequados.

Basta um investimento numa atitude de prevenção e de promoção da saúde mental positiva e do bem-estar destes profissionais. É preciso cuidar do corpo e da mente porque, ao contrário das máscaras, do gel ou dos ventiladores (todos importantíssimos para a nossa saúde física), as pessoas não podem ser fabricadas ou tratadas como robôs.

Àquelas pessoas que não estão a colaborar saindo de casa de forma indevida, alguns estando doentes, resta dizer-lhes que quando a dor do outro não as afecta, então, são elas quem precisa de ajuda.

Sugerir correcção
Comentar