Dezenas de milhares de pessoas voltam às aldeias, aumentando a propagação do coronavírus na Índia

As grandes cidades começam a parar, deixando os que precisam do seu movimento sem rendimentos. Regressar a casa é a opção. “Algumas pessoas vão morrer com este vírus. O resto de nós vai morrer de fome”.

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Bombaim este domingo reuters

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, voltou a pedir este domingo aos cidadãos que se auto-isolem para conter a propagação do coronavírus no país onde estão declarados 250 casos casos e quatro mortes.

Tratou-se, novamente, de um apelo a um voluntariado - Modi tinha pedido na semana passada para os indianos se manterem em casa das sete da manhã às nove da noite. Não foi uma ordem de confinamento, mas ecoou e toda a Índia estava, neste domingo, quase deserta para o habitual - facilitando o caminho para o Governo aplicar medidas restritivas como suspender todas as ligações de caminho-de-ferro e outros transportes, o que pode acontecer esta semana. Algumas ligações já estão encerradas, sobretudo os transportes nas grandes cidades. Mas a decisão pode ter sido tardia - como mostra o caso de Bombaim.

No sábado, dezenas de milhares de pessoas de Bombaim, a população mais pobre da cidade, cuja subsistência desapareceu com as medidas que foram sendo adoptadas para conter o novo coronavírus, regressaram em massa às suas aldeias e vilas no interior do país, aumentando o risco de propagação rápida da doença no país de 1,3 mil milhões de habitantes. 

Cerca de um quinto dos casos confirmados de covid-19 na Índia estão no estado ocidental de Maharashtra — onde se situa Bombaim, a maior cidade da Índia e o seu grande centro económico. 

As autoridades de Maharashtra ordenaram, na sexta-feira, o encerramento de todas as lojas e escritórios, mantendo abertos apenas os serviços essenciais; a ordem é para reabrirem a 31 de Março.

Para os indianos que conduzem rickshaws ou que sobrevivem com as suas bancas de comida, o choque económico destas medidas é imenso, levando-os a deixar as cidades e a regressarem às duas terras, às casas da família, onde não pagam renda e sobreviver é mais barato.

“O trabalho parou. Vou regressar e trabalhar na terra”, disse Rakesh Kumar Gupta, de 40 anos, que vendia redes mosquiteiras em Bombaim e que estava de regresso ao seu estado natal do Uttar Pradesh, a Norte.

No sábado, centenas de pessoas, muitas deles jovens com máscaras sobre a boca e com mochilas às costas, esperavam numa fila na estação de comboios Lokmanya Tilak de Bombaim. 

A empresa estatal de caminhos-de-ferro da Índia anunciou na sexta-feira 17 comboios especiais para levar as pessoas para fora de Bombaim, para Leste e para Norte, disse o porta-voz, Shivaji Sutar.

Mas os especialistas em saúde pública alertaram que movimentações em larga escala para as zonas rurais pode fazer propagar a doença a todo este país que tem uma rede de saúde pública muito débil, sobretudo no interior. E é muita gente a que se pode deslocar, sobretudo à medida que as cidades se fecham - a Índia tem 120 mil milhões de trabalhadores migrantes, segundo o grupo de defesa dos direitos do trabalho Aajiveeka.

“Estamos a assistir ao início do alastramento [do vírus] às comunidades”, disse Rajib Dasgupta, professor de saúde na comunidade na Universidade Jawaharlal Nehru em New Delhi.

No sábado, perante a possibilidade de haver restrições, milhares de passageiros ansiosos tentavam trepar para comboios sobrelotados, viu a Reuters. O Ministério dos Caminhos de Ferro fez saber no sábado que foram feitos testes a passageiros que viajaram na semana passada e que cerca de uma dezena deles deram positivo na sexta-feira.

“Pede-se aos passageiros que não precisem de fazer viagens obrigatórias que não o façam para garantir a segurança de todos os cidadãos”, pediu o Ministério. Um pedido difícil de acatar num país onde, para uma grande percentagem da população, ficar nas cidades paradas significa não subsistir.

O coronavírus está a sublinhar a dificuldade de alguns países em conter a pandemia e há muitos que temem que a Índia venha a ser severamente atingida.

“Algumas pessoas vão morrer com este vírus. O resto de nós vai morrer de fome”, disse o taxista Sanjay Sharma numa rua deserta de Bombaim. Garantiu que vai regressar a casa, ao estado nortenho do Himachal Pradesh, onde a família tem um pequeno pomar de macieiras.

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