Coronavírus: “Há muito amor que não vai sobreviver a este afastamento”

Casais separados pelo isolamento falam da incerteza do momento e preocupam-se com os reflexos que a distância terá na relação.

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Margarida Vieitez sublinha que é importante não conversar apenas sobre o novo coronavírus Tiago Lopes

Sofia está habituada a passar todos os fins-de-semana com o namorado Hugo, mas agora será diferente. Mariana foi com os pais para o Alentejo e não vê o namorado há duas semanas. Ana e Afonso não estão juntos fisicamente há mais de uma semana, mas as mensagens não os deixam ter saudades. São casais de namorados que o novo coronavírus separou. Quando se voltam a ver? É incerto. A relação vai sobreviver? Depende, respondem as especialistas ouvidas pelo PÚBLICO.

No Instagram, onde tem mais de 40 mil seguidores, Sofia Novais de Paula, autora do blogue Diário de Um Batom, partilhou uma declaração ao namorado Hugo: “Faz hoje uma semana que nos vimos pela última vez! Despedimo-nos casualmente sem termos decidido que iríamos entrar em quarentena um do outro.

Namora com Hugo há sete meses e desde então passam os fins-de-semana juntos. Decidiram isolar-se por fazerem ambos parte de grupos de risco: Sofia é asmática e Hugo também tem problemas de saúde. “A única parte que nos separa é o facto de não nos vermos”, explica a blogger de 45 anos ao PÚBLICO.

Estar juntos virtualmente é o que os mantém saudáveis, garante. Falam a toda a hora, mostram o que estão a fazer por videoconferência – “até podemos jantar juntos”, sugere. Quando sai para passear os cães, na zona de campo onde vive, Sofia também partilha esse momento com o namorado.

A psicóloga Joana Almeida sublinha que manter a comunicação é “fundamental” nestes casos e o tentar fazer “as mesmas coisas do que quando o casal está cara a cara” também. A terapeuta sexual sugere, por exemplo, que o casal combine ver um filme ao mesmo tempo e vá partilhando as suas impressões.

“Não deixem que os diálogos versem apenas sobre a actual situação”, aconselha, por sua vez, a terapeuta de casais, Margarida Vieitez. Para a especialista, o isolamento pode ser uma oportunidade para o casal conversar sobre o seu “projecto de vida a dois” e “sonhar”. 

“Fazer crescer a vida do casal”

Ana e Afonso têm 22 anos, são estudantes e vivem em Lisboa. Com as aulas e os trabalhos da faculdade, Ana diz que “é muito fácil esquecerem-se” um do outro. “Trocamos mensagens, para já, como se nada fosse”, conta a estudante de Psicologia. “Se nos sentirmos com saudades, há sempre um telefonema e também videochamadas”, diz, por seu lado, Afonso, que estuda engenharia geoespacial.

“Esquecerem-se” um do outro não é necessariamente mau. Joana Almeida garante que estes momentos são “oportunidades para estarmos connosco próprios, a ouvir os nossos pensamentos”. “Estar connosco próprios pode fazer crescer a vida do casal”, defende a terapeuta sexual. Sofia Novais de Paula concorda: “As pessoas não estão habituadas a estar sozinhas.”

Para Mariana, o afastamento tem sido difícil de gerir. Há 15 dias que está com os pais no Alentejo, o namorado ficou em Lisboa. “Sinto-me ansiosa pelo facto de poder ficar meses sem o ver”, confessa a jovem de 22 anos.

Os “meses” de distância, sugere Joana Almeida, podem ser uma oportunidade para o casal “ser criativo” e criar “novas pontes para a relação”. “Hoje em dia há muita gente que tem relações sexuais através da tecnologia”, reconhece a terapeuta sexual. “Reinventem-se em gestos de ternura e surpresas”, acrescenta Margarida Vieitez.

O futuro da relação? Uma “incerteza”

Os casais falam da “incerteza” do momento que vivemos e preocupam-se com os reflexos que terá isso na relação. “Não podemos querer fazer um plano que nos dê certezas que o próprio momento não pode dar”, aconselha Joana Almeida.

Sofia Novais de Paula imagina um cenário mais radical: “Se ficarmos seis meses, sem nos vermos, vamos ter de aprender a gostar novamente um do outro”, analisa a blogger, que também refere a “falta de certezas no futuro” que o novo coronavírus trouxe.

Se uma relação for “robusta e saudável”, explica Margarida Vieitez, a distância pode até fortalecê-la e criar uma “maior proximidade afectiva e emocional”. “Quando já há algum tempo dá sinais de fragilidade, é um grande desafio ou mesmo uma provação, que pode terminar em separação”, lamenta a terapeuta de casais, que publicou recentemente Sucesso Emocional.

A psicóloga Joana Almeida sublinha que podem existir estes momentos menos bons, mesmo à distância. “É preciso ter esse cuidado com o outro, perceber que algumas discussões podem ser pelo momento que vivemos”, explica. Sofia Novais de Paula tem uma perspectiva menos romântica: “Há muito amor que não vai sobreviver a este afastamento.

Texto editado por Bárbara Wong

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