Uma família em isolamento, e agora?

Testemunho de Joana Ramos. Está em casa, com os três filhos e o marido, que está infectado. “Explicar aos meus filhos com 3, 7 e 10 anos que entrar no quarto do pai era proibido foi, garanto, a tarefa mais fácil!”

Tudo corria normalmente até receber a chamada do meu marido a dizer que um colega de trabalho tinha covid-19. E agora?

Chegou a nossa vez! Aquilo que nos separava por um ecrã de televisão estava agora realmente em nossa casa, na nossa família.

Pedi ao meu marido que ficasse longe de tudo e de todos, mas era impossível. Veio para casa e foi directamente para um quarto isolado. As crianças limparam as áreas comuns e os corrimões e eu tentava perceber se havia sintomas. Claro que havia, foi automático, nem nos deu tempo para pensar, para planear.

Tranquilizar os miúdos e ligar para uma linha que ainda hoje questiono se funciona, a SNS24, foi impossível. Quatro horas e meia a tentar ligar e nada! Pedi a um familiar que o visse num hospital particular e assim foi. A meio da noite e sozinho deu entrada e ficou internado. Fez o teste enquanto controlavam o seu estado de saúde.

A ansiedade em casa aumentava. A limpeza e desinfecção foram feitas ao pormenor. Todos, eu e as crianças, ajudaram a preparar a casa para o receber com ou sem o vírus.

Assim foi passado um dia. Com o estado de saúde estável, voltou para casa. O resultado do teste chegou: deu positivo. Tem estado enfiado num quarto, onde tem uma casa de banho só para si, e onde colocámos tudo o que me veio à cabeça ser essencial e importante para aguentar os 14 dias de isolamento. A lixívia, a água, a televisão, o telefone, o computador, uma cadeira para não estar sempre deitado, o telefone, os sacos do lixo, o álcool, as máscaras…

Explicar aos meus filhos com três, sete e dez anos que entrar no quarto do pai era proibido foi, garanto, a tarefa mais fácil! As crianças respeitam escrupulosamente todas as regras. Nunca tentaram abrir a porta. Lidar com os adultos que nos questionam constantemente, e de uma forma por vezes acusadora, sobre o porquê de a restante família não ter feito o teste, é mais difícil.

É importante perceber que os cuidados médicos não vão chegar a todos! Ser humano e racional é fundamental para que possamos ultrapassar esta pandemia. A nossa família só fará o teste caso existam sintomas, nada mudaria no nosso dia-a-dia com ou sem teste. Estamos todos isolados em casa, não saímos. Vamos dar lugar nos serviços de saúde a quem precisa.

Agora assumo o papel de enfermeira. Também sou mãe, sou professora e ainda mantenho activa a minha profissão (sou assessora de administração num hotel). As crianças falam com o pai através do telemóvel ou do Skype, apesar de estarmos todos na mesma casa. As compras são feitas pela família, amigos e vizinhos. Cada amigo que sai de casa avisa-nos e pergunta o que precisamos. Até o nosso talho se disponibilizou para vir entregar as compras a casa, deixam-nos tudo à porta e pagamos através de transferência bancária.

Também as refeições do pai são deixadas à porta do quarto isolado! Ninguém ali entra! Deixo sempre passar algumas horas até recolher a louça à porta. Desinfecto tudo depois.

Ao fim de 14 dias é necessário fazer dois testes e o resultado terá de ser negativo para podermos respirar de alegria.

Só lamento que neste momento em que vivemos entre a vida e a morte de muitas pessoas, em que o nosso isolamento está a pôr à prova a nossa capacidade de tolerância, de resistência e de fé, eu esteja a ser pressionada diariamente pela minha entidade patronal com despedimentos e cortes de salários. A economia não pode parar, mas sem vida não há economia.

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