Estado de calamidade não chegava para impedir liberdade de circulação

Parecer de sociedade de advogados em que um consultor político de Belém é consultor estratégico defende que só a declaração do estado de emergência dá cobertura constitucional a algumas das restrições decretadas.

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Sem estado de emergência não se podia restringir a livre circulação de pessoas Adriano Miranda

As medidas anunciadas esta quinta-feira pelo primeiro-ministro não poderiam ser tomadas sem a prévia declaração do estado de emergência e mesmo muitas das que tinham sido tomadas antes poderiam ser questionadas por inconstitucionalidade, se o Presidente não tivesse, entretanto, declarado o estado de excepção.

Muitos constitucionalistas já o defenderam e foi nesse sentido também que a sociedade de advogados Cruz Vilaça, fundada no ano passado pelo antigo juiz do Tribunal de Justiça da União Europeia, emitiu um parecer explicando porque é que os estados de alerta ou de calamidade previstos na Lei de Bases da Protecção Civil não eram suficientes.

“A Lei de Bases da Protecção Civil determina que a declaração da situação de alerta pode ser feita por presidentes de câmara ou pelas entidades responsáveis da protecção civil; conferem poderes alargados face a ‘acidente grave e catástrofe’, tendo as decisões e actos legislativos efeitos imediatos. (…) A declaração acciona as estruturas de coordenação institucional territorialmente competentes e articula os meios de protecção e socorro adequados”, explicam os juristas que redigiram o parecer. Trata-se, portanto, de um poder descentralizado que tem de cumprir a Constituição e não pode pôr em causa direitos fundamentais.

Segundo o parecer, “há na protecção civil dois níveis de declaração face a acidentes ou catástrofes superiores ao de alerta: a situação de contingência e a de calamidade, esta da competência do Governo, que pode estabelecer inúmeras medidas como a mobilização civil de pessoas ou o livre acesso dos agentes de protecção civil à propriedade privada. Prevê ainda a possibilidade da requisição temporária de bens ou serviços”.

O problema acrescenta-se, “é saber até que ponto são legais – leia-se constitucionais - limitações a direitos fundamentais protegidos constitucionalmente com base num princípio de necessidade sem que o instituto que a Constituição prevê para que essas limitações sejam possíveis, isto é, o estado de emergência, esteja em vigor”.

Ora, os juristas da equipa de José Luís da Cruz Vilaça – na qual se inclui Paulo Sande, consultor político do Presidente da República e também consultor estratégico da sociedade - acreditam que limitar direitos fundamentais, a começar pelo direito de livre circulação de pessoas, sem a declaração do estado de emergência seria inconstitucional. Ou seja, nem o estado de alerta nem o de calamidade davam a cobertura constitucional necessária para situações como a de Ovar.

“Ainda bem que o estado de emergência foi decretado, porque deixa de se discutir se o Governo pode ou não decretar esse tipo de restrições”, disse ao PÚBLICO Vieira de Andrade, professor jubilado de Direito Administrativo. E remata: “O ‘chapéu’ jurídico do estado de emergência permite agora ao Governo flexibilizar as medidas com plena segurança jurídica”. 

É o que se lê também no parecer de Cruz Vilaça, onde se sublinha que as restrições impostas “não são plenas” e têm que ter em conta o princípio da proporcionalidade. “Os tribunais continuam a funcionar. O Conselho de Defesa Nacional mantém-se em reunião permanente. A procuradora-geral da República e a provedora de Justiça ficam em funções de forma permanente. Não há limitação à actividade dos partidos e sindicatos. Não acatar a proibição de livre circulação de pessoas ou veículos é crime de desobediência”. Ou seja, o estado de emergência decorre dentro de um quadro de normalidade democrática ainda mais reforçado.

Corrigida às 11h30 de 20 de Março com a informação de que José Luís da Cruz Vilaça foi juiz e não presidente do Tribunal de Justiça da União Europeia.

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