Teletrabalho: sim, faz alguma diferença ter ou não crianças em casa

Embora as tarefas domésticas sejam inevitáveis, e seja tentador aproveitar o estar a trabalhar em casa para despachar alguma delas, estar em teletrabalho é trabalhar em casa, não na casa. As lides domésticas têm o condão de se tornar intermináveis, principalmente com crianças.

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Vadim Sherbakov/Unsplash

Sou adepta do teletrabalho. Mas a situação actual é muito mais exigente porque o teletrabalho aparece de repente como uma necessidade absoluta — e não uma escolha (o que o torna, à partida, menos apelativo) —, agravado pelo pouco tempo de preparação e pelo facto de ajudas, tais como empregadas domésticas, supermercados sem filas, etc., terem deixado de existir. No caso de crianças em casa, e também elas em teletrabalho (que inclui trabalhos de casa, escola virtual, ballet por videoconferência, gravações para as aulas de música), é ainda mais difícil. Até porque as mais pequenas (os meus estão no primeiro ciclo) precisam de algum acompanhamento em todas essas actividades e ainda almoçar, lanchar, jantar. Por isso, no caso ingrato de teletrabalho forçado com crianças 24 horas dentro de casa, é absolutamente fundamental planear, organizar e levar aos píncaros o exercício diário de autodisciplina em rotinas que, parecendo óbvias, podem requerer algum esforço no início.

Para começar, embora possa parecer tentador descurar o look quando se está todo o dia em casa, não é boa ideia. Claro que adoptar um estilo menos formal e mais confortável é perfeitamente legítimo, mas pode estar-se confortável e, mesmo assim, arranjado (pijama, obviamente, nem pensar; e fato de treino desmazelado também não).

Trabalhar em casa permite, em geral, adaptar o horário de trabalho ao nosso óptimo, uma oportunidade que deve ser aproveitada ao máximo. Eu sou adepta do “Deitar cedo e cedo erguer...” e prefiro trabalhar de manhã cedo, mas há quem seja o oposto. Está provado que o ritmo circadiano tem um papel fundamental em imensos processos biológicos que afectam a nossa saúde e desempenho. Por isso, havendo essa possibilidade, porque não procurar a melhor altura para trabalhar, de acordo com o ritmo de cada um?

Com crianças em casa é ainda mais importante trabalhar o melhor possível porque o tempo é sempre muito pouco, o que implica ajustar os horários de modo a garantir algum tempo de qualidade para trabalhar, seja de manhã cedo (no meu caso) ou à noite (para os “corujas”). Não é que não seja possível fazer coisas como atender telefonemas ou despachar emails com os miúdos à volta, mas é preciso garantir algum tempo tranquilo — mesmo que pouco — para trabalho “sério” e sossegado.

Não havendo crianças em casa, e sem ter que andar de um lado para o outro, consegue-se estar muito mais tempo a trabalhar em casa do que presencialmente. Convém, por isso, monitorizar e limitar o tempo de trabalho porque trabalhar mais horas não significa fazer mais e melhor, pelo contrário. Pausas regulares e descanso são fundamentais para trabalhar bem. Mas descansar não significa estar sem fazer nada ou em frente a um ecrã. Ter alguma actividade física ou mental que seja desafiante, divertida e, idealmente, muito diferente do trabalho habitual (como ioga, tocar um instrumento ou aprender uma língua nova) é o ideal para desanuviar e voltar ao trabalho com energias recarregadas. Embora com crianças em casa possa parecer missão impossível, intervalos de qualidade continuam a ser essenciais. E “não vale” os jogos de tabuleiro com as crianças ou leitura, por muito divertidos que sejam. Tem que haver tempo para tudo e cabe ao adulto dar, também no lazer, o exemplo (em vez de ver televisão).

Embora as tarefas domésticas sejam inevitáveis, e seja tentador aproveitar o estar a trabalhar em casa para despachar alguma delas, estar em teletrabalho é trabalhar em casa, não na casa. As lides domésticas têm o condão de se tornar intermináveis, principalmente com crianças (só a roupa que há para processar é infindável), o que implica organizar ainda melhor o tempo que, inevitavelmente, é preciso dedicar a isso para não fragmentar demasiado o precioso tempo que se tem. Durante a semana, o objectivo deve ser os mínimos olímpicos domésticos, não o ter a casa a brilhar. E então não é benéfico ter pausas e fazer os ditos intervalos? Sim, para tomar um chá, dar um salto rápido à varanda, lanchar, não para tarefas domésticas, mesmo que alguém ache isso o máximo.

Estar em casa é uma excelente oportunidade para comer com mais qualidade do que quando se trabalha fora. Mas comer bem não significa passar muito tempo na cozinha, e refeições rápidas não significa fast food ou comida processada. É perfeitamente possível planear almoços saudáveis e que não implicam um tempo de preparação grande, ou até aproveitar o fim-de-semana para cozinhar coisas mais demoradas e que possam ser usadas durante a semana. Planear as refeições é ainda mais importante com crianças todo o dia em casa, de modo a garantir variedade — o palato treina-se de pequeno — e para não passar a vida no supermercado. Faço sempre a ementa semanal com antecedência, mas claro que fazer a ementa não quer dizer que eu a siga à risca. Altero os planos frequentemente, mas acho muito mais fácil arranjar um plano B depois de já ter um plano A.

Finalmente, é importante ter um local preparado para o trabalho em casa. Não podendo ter uma divisão dedicada, pelo menos ter uma secretária ou um cantinho fixo para trabalhar. E organizado. Eu tenho uma divisão a servir de escritório, mas que tem uma secretária para cada um de nós (portanto, quatro), por isso é quase um open space. Mas a minha secretária é sagrada (as crianças foram treinadas para isso desde cedo, não admito qualquer brinquedo, desenho, etc.), e mantenho o meu sítio de trabalho sempre organizado (mesmo que o resto nem por isso).

Apesar de estar habituada a trabalhar em casa, o teletrabalho com crianças fechadas em casa todo o dia é certamente menos produtivo (não há milagres!), mas continuo a achar que, apesar das dificuldades, é ainda assim uma oportunidade de crescimento e aprendizagem.

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