Coronavírus: o que pode a Europa aprender com a China?

Pela experiência chinesa, ficou claro que a melhor maneira de controlar a epidemia é a redução, tanto quanto possível, do fluxo de pessoas e bens.

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Reuters/ALY SONG

Actualmente, mais de 140 países relataram surtos da nova epidemia, e o número de casos diagnosticados a nível mundial assoma a quase 200 mil. O combate a esta nova doença não implica que apenas os profissionais de saúde sejam colocados na linha da frente, mas também que todo o povo e os respectivos governantes estejam alinhados e que enfrentem lado a lado esta batalha.

Mas nesta altura deve ser colocada a seguinte pergunta: o que interessa mais aos nossos governantes, a defesa da vida e do bem-estar do seu povo ou antes o desenvolvimento económico de um país?

Pela experiência chinesa, ficou claro que a melhor maneira de controlar a epidemia é a redução, tanto quanto possível, do fluxo de pessoas e bens. Contudo, por detrás desta difícil decisão de paralisar o tecido produtivo de um país, surge o temor de uma nova crise financeira. Mas se imaginarmos que a epidemia não pode ser atenuada, como poderemos relançar novamente a economia de um país no eventual caso de desordem, aliado ao colapsar dos sistemas nacionais de saúde? Neste momento, a tomada de decisão dos governos tem de colocar o cerne na defesa da vida do seu povo. Assim, devido à gravidade da pandemia na Europa, Portugal deve respeitar com seriedade a declaração do estado de emergência.

Após o surto da epidemia em Wuhan, os hospitais chineses foram colocados na primeira linha de defesa, de forma a evitarem a propagação desta guerra com inimigos invisíveis. Medições de febre na recepção dos hospitais, para detectar rapidamente contaminações, atendimentos disponíveis 24 horas e consultas online serviram para evitar infecções cruzadas. A constante divulgação do número e localização dos infectados e de recomendações que o cidadão comum pode implementar para evitar a propagação da doença reforçou a confiança na luta contra a epidemia.

A nível provincial, os governos locais anunciam diariamente o número de infecções confirmadas, por freguesia, quer online nos sites oficiais, quer em canais de televisão regionais. Complementarmente, o governo central desenvolveu e tem actualizado uma aplicação informática que permite ver num mapa onde estão as pessoas infectadas. Tal aplicação permite a quem tenha que viajar tomar precauções e evitar as áreas afectadas.

Outra das medidas consistiu na racionalização e distribuição de máscaras cirúrgicas por comunidades. Nas grandes cidades chinesas, a maioria da população vive em comunidades, uma espécie de condomínio com segurança privada gerido por um comité. Esses comités têm distribuído máscaras de protecção, consoante as necessidades por apartamento. Devido à optimização na entrega de máscaras, a afluência às farmácias tem sido reduzida. Suplementarmente, os comités organizaram-se para medir a temperatura de cada pessoa que sai da comunidade, de forma a despistar eventuais casos de contaminação, e têm emitido cartões de acesso aos seus moradores de forma a evitar a entrada de estranhos, nos condomínios. Nas comunidades em que há moradores em isolamento permanente por infecção, é também o comité que assegura a compra dos alimentos e bens diários dos moradores em quarentena. Além disso, mesmo em Wuhan, o epicentro desta catástrofe, todos os dias o governo tem assegurado a reposição de alimentos, o que evitou situações de pânico generalizado nos supermercados.

Num momento de grave crise como esta, outra questão crucial se coloca: para o povo, o que é agora mais importante? Afirmar a supremacia da liberdade individual ou a segurança, bem-estar e futuro da Nação? Algumas notícias dos últimos dias que evidenciam a falta de consciência na população europeia da gravidade do novo coronavírus, aliadas à falta de medidas firmes e objectivas por parte dos governantes, salientam um risco tanto para o futuro dos valores democráticos como para o bem-estar colectivo.

Em Portugal, apesar da falta de assertividade dos órgãos governamentais, tivemos, contudo, um excelente exemplo do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Após tomar conhecimento de que provavelmente teria entrado em contacto com alunos infectados, o Presidente optou por não correr riscos e cancelou todas as suas actividades públicas. Desta forma, apelou com o seu exemplo a todo o país sob a forma de auto-isolamento, demonstrando que a covid-19 não deve ser vista com leviandade. Porém, mesmo assim ocorreram vários fenómenos caricatos em Portugal, como o caso dos jovens reunidos na praia após a decisão de fecho de algumas universidades e o dos bares que criaram uma festa temática sobre o coronavírus para atrair clientes.

Coincidentemente, este tipo de comportamentos bizarros tem ocorrido um pouco por toda a Europa: no Parlamento italiano quem usa máscara é ridicularizado, no Reino Unido organizam-se concertos de milhares de pessoas no meio desta crise. Por toda a Europa têm sido realizadas cenas indescritíveis de “perseguição da liberdade individual”, mas esta visão altamente individualista e egoísta na face de uma crise infecciosa não será apenas uma estupidez? Estará o vírus preocupado com a liberdade individual? Os vírus só se importam com a sua própria liberdade. Quando as pessoas andam na rua sem medidas protectoras, a propagação do vírus espalha-se por todos os locais, mesmo que não se note.

A covid-19 começou a espalhar-se pela China exactamente na altura do Ano Novo Chinês, um período em que a tradição obriga a que nos reunamos a família. Todavia, mesmo neste período, nunca a população chinesa priorizou a celebração à importância de travar o avanço do vírus o mais rapidamente possível, implementando um isolamento nacional sem precedentes. Numa potência com 1,4 mil milhões de pessoas, toda a população ficou voluntariamente em casa e cancelou reuniões, visitas de família e viagens. Os mais famosos pontos turísticos de Xangai, que todos os dias atraíam milhares de pessoas, tornaram-se vazios, fazendo-nos mesmo questionar se este cenário quase pós-apocaplítico é realmente a cidade que outrora escolhemos viver. Quer seja nas grandes cidades ou nas aldeias mais remotas, alguns dos métodos de combate à doença podem ser considerados extravagantes, mas para prevenir o vírus basta lavar as mãos frequentemente e ficar em casa.

Na famosa obra Os Três Mosqueteiros, escrita por Alexandre Dumas, há um ditado que se adequa perfeitamente à Europa neste momento: “Um por todos, todos por um”. Diante da ameaça comum do novo coronavírus, os seres humanos são uma só comunidade de destino comum. Neste momento o colectivo é mais importante do que dilemas institucionais, nacionalismos e individualismos. Todas as pessoas podem contribuir para a luta contra o coronavírus. O grande objectivo da eliminação desta pandemia não poderá ser alcançado sem os esforços conjuntos de toda a população.

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