Coronavírus força hospitais a enviar doentes para cuidados continuados

Unidades de cuidados continuados não têm máscaras, nem luvas nem outros materiais de protecção, apesar de serem “a segunda linha de combate à covid-19”, a seguir aos hospitais. “Estamos desesperados”, diz presidente da associação nacional. Clínicas de hemodiálise também têm muitas carências.

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Joana Goncalves

Quem estiver a ocupar uma cama nos hospitais públicos enquanto aguarda vaga na rede de cuidados continuados perde a liberdade de escolha que até agora existia e que lhe permitia optar por uma de três unidades da sua preferência. Passa a ter que aceitar a primeira vaga que surja. As camas hospitalares vão ter que ser libertadas com rapidez de forma a estarem disponíveis para receber infectados pelo novo coronavírus (que provoca a doença covid-19). 

As presidentes do Instituto de Segurança Social (ISS) e da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) determinaram esta semana numa circular que, para “agilizar e libertar” camas dos 13 hospitais públicos já activados para receber doentes de covid-19, os utentes que esperam por uma vaga numa das três unidades de cuidados que indicaram – o direito de escolha está previsto na legislação – devem, caso tal não seja possível, aceitar a transferência para outra unidade da rede de cuidados continuados que surja em primeiro lugar e “em qualquer prestador da região”.  Com cerca de oito mil camas em todo o país em unidades do sector social e privado, esta rede está vocacionada para receber pessoas que estão em convalescença, por exemplo, de acidentes vasculares cerebrais (AVC), enfartes, e necessitam de reabilitação ou outro tipo de cuidados.

Até agora, no processo de referenciação dos doentes provenientes dos hospitais para unidades e equipas da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) devia ter-se em conta a proximidade do domicílio e, sempre que possível, o seu leque de preferências.  Mas o direito de escolha “tem vindo a originar a permanência de doentes em camas hospitalares para além da data da alta clínica” e a gerar “constrangimentos na gestão efectiva das camas disponíveis em cada momento”, lê-se na circular.

Agora, e durante o período de contingência da covid-19, apesar de se manter a possibilidade de o utente escolher três unidades, a alocação da vaga ficará “condicionada, na medida dos recursos existentes”, à que vier “a ocorrer em primeiro lugar em qualquer prestador da região”.

Na prática, o que isto significa é que a liberdade de escolha num leque de três unidades preferenciais que a legislação prevê será “interrompida porque há outro valor que se sobrepõe”, interpreta Miguel Fausto, que coordenou a RNCCI até Novembro passado. Esta circular “reflecte a preocupação do Ministério da Saúde de libertar camas hospitalares para que haja uma resposta adequada" se e quando a epidemia do novo coronavírus originar um pico de internamentos no Serviço Nacional de Saúde. 

Libertar camas dos hospitais é uma preocupação legítima, tendo em conta a evolução do surto em Portugal, mas, alerta Miguel Fausto, é preciso não esquecer que esta população é muito envelhecida e vulnerável, sendo um dos principais grupos de riscos para a infecção pelo novo coronavírus. 

Falta pessoal formado

Mas não será fácil operacionalizar esta medida. As vagas escasseiam – na região de Lisboa e Vale do Tejo chega a haver pessoas a aguardar mais de um ano - e não é fácil dar resposta, sublinha o presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados, José Bourdain, que lamenta o “subfinanciamento” destas unidades, algumas das quais estão à beira do colapso financeiro”.

“Desde a semana passada que os hospitais estão a pedir às unidades de cuidados continuados com camas privadas se podem ceder algumas”, e tem-se procurado encontrar vagas onde é possível. Mas há problemas que as autoridades de saúde não acautelaram: as unidades de cuidados continuados, que “estão na segunda linha de combate à covid-19, logo a seguir aos hospitais públicos”, não têm materiais de protecção, como mandam as normas da Direcção-Geral da Saúde, denuncia José Bourdain, que já avisou o secretário de Estado da Saúde desta situação.

Não há máscaras cirúrgicas, luvas, gel desinfectante e equipamentos de protecção, elenca. “Estamos desesperados. Uma caixa com 50 máscaras que no mês passado custava um euro chega agora a custar 120 euros. É preciso pôr travão a esta especulação”, reclama. Um problema suplementar é o de falta de condições de muitas destas unidades - nem instalações físicas nem pessoal formado – para isolamento de infectados, se tal for necessário. E a entrada de uma pessoa doente com covid-19 pode ser um rastilho para contaminação cruzada nesta população muito vulnerável.

Também as clínicas de hemodiálise se queixaram esta quarta-feira de estarem a ficar sem meios de protecção e sem médicos e enfermeiros para assegurarem os tratamentos que são vitais para os doentes e alertaram para o elevado risco de contágio, que “não está a ser minimizado por falta de resposta das autoridades de saúde”.

“Estamos perante situações da maior gravidade e emergência, face à natureza dos cuidados de saúde prestados, literalmente vitais, de life saving, para os doentes insuficientes renais crónicos terminais, cuja média etária, em Portugal, ultrapassa os 70 anos”, avisou o presidente da Associação Nacional de Centros de Diálise, Jaime Tavares, em comunicado.

Faltam equipamentos de protecção individual e recursos humanos (médicos e enfermeiros) “por suspensão, por parte de algumas administrações hospitalares (também sob pressão na actual emergência), das autorizações de acumulação de funções públicas e privadas”, além de haver “falta de transporte individual dos doentes de e para a clínica de diálise, dado que o transporte múltiplo propicia a criação de novas cadeias de contágio”.

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