Coronavírus: Trump insistiu que os números iam descer, mas eles não param de subir

Nos últimos dois meses, o Presidente norte-americano garantiu várias vezes que a situação estava “sob controlo”. Mensagem “deixou os americanos sem certezas sobre o que fazer”.

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Donald Trump declarou o estado de emergência na sexta-feira Reuters/YURI GRIPAS

No dia 22 de Janeiro, quando a China se preparava para pôr em quarentena os 11 milhões de habitantes da cidade de Wuhan, onde tinham surgido os primeiros casos do novo coronavírus, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, garantia aos cidadãos norte-americanos que a situação estava “totalmente sob controlo”. Um dia antes, as autoridades de saúde pública tinham confirmado o primeiro caso de covid-19 no país, no estado de Washington.

“É uma pessoa que veio da China, vai ficar tudo bem”, disse Trump numa entrevista ao canal CNBC durante a cimeira económica de Davos.

Questionado sobre se estava preocupado com a progressão dos casos na China, e se temia que a situação pudesse evoluir para uma pandemia, o Presidente norte-americano foi sucinto e taxativo: “Não, nada mesmo.”

Por essa altura, a Organização Mundial de Saúde (OMS) ainda não tinha lançado alertas para todo o mundo, e não havia provas da contaminação entre pessoas fora da China.

Mas, ao mesmo tempo que Donald Trump garantia, em Davos, que a situação estava “sob controlo”, o director do Centro para a Prevenção e Controlo de Doenças (CDC) norte-americano entre 2009 e 2017, Tom Frieden, publicava um texto no site de saúde Stat em que demonstrava muita preocupação e já aconselhava a população a lavar as mãos, a tossir para a parte anterior do cotovelo e a ficar em isolamento em caso de tosse ou febre.

“É provável que o novo vírus continue a alastrar-se e que venha a ser detectado em mais países nos próximos dias e semanas”, disse Frieden. “Temos de descobrir – e depressa – como é que ele se espalha e qual é a probabilidade de causar doenças graves, para que possamos tentar travar a propagação.”

Presidente “não agiu"

O que aconteceu nos dois meses seguintes, até à declaração de emergência nacional nos Estados Unidos pelo Presidente Trump, na sexta-feira, foi uma série de falhas no sistema de testes do país, cujas consequências podem ter sido agravadas pela repetição das declarações tranquilizadoras vindas da Casa Branca.

“A cada momento, os especialistas foram enfatizando que o país podia reduzir aqueles números terríveis”, disse no New York Times o comentador David Leonhardt, referindo-se às piores estimativas do CDC para os Estados Unidos: até 215 milhões de pessoas infectadas e quase dois milhões de mortos. “A cada momento, o Presidente ignorou os conselhos dos especialistas e insistiu que ‘tudo se ia resolver’”, criticou Leonhardt.

No dia 19 de Fevereiro, numa altura em que o Irão e a Coreia do Sul anunciavam os seus primeiros casos, Trump ainda mantinha a confiança: “Penso que os números estão a melhorar progressivamente”, disse o Presidente norte-americano numa entrevista a um canal de televisão em Phoenix, no estado do Arizona.

E em finais de Fevereiro, quando a OMS registava mais de 85 mil casos em 55 países, Trump garantia que, nos Estados Unidos, o número de casos estava “a descer de forma substancial”, e que haveria uma vacina disponível “muito em breve”.

"Isto vai desaparecer"

“A informação inconsistente e, em alguns casos, abertamente incorrecta vinda da Casa Branca deixou os americanos sem certezas sobre o que fazer”, salienta David Leonhardt no New York Times. “Mais do que qualquer outro cidadão, o Presidente podia ter-se focado na necessidade da mudança de comportamentos. Especificamente, Trump podia ter encorajado as pessoas mais velhas – em maior risco – a terem cuidado. Mais uma vez, ele optou por não agir.”

Vários jornais norte-americanos publicaram listas com declarações do Presidente Trump sobre a resposta dos Estados Unidos ao novo coronavírus que consideram ser falsas, enganadoras ou exageradas, como o Washington Post, o New York Times e a CNN.

Uma das últimas é de 12 de Março, 48 horas antes da declaração de emergência nacional nos Estados Unidos: “Isto vai desaparecer. Por causa do que eu fiz, e por causa do que a Administração fez em conjunto com a China, temos 32 mortes nesta altura. Em comparação com o que vemos noutros países, isto é extraordinário”, disse Trump na Casa Branca ao lado do primeiro-ministro da Irlanda. Até esta segunda-feira, há 3737 casos confirmados em 49 dos 50 estados do país, e 69 mortes – números que vão continuar a subir nos próximos dias e semanas.

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