Cobaias numa epidemia na era da informação

Somos os primeiros humanos a viver uma pandemia na era da informação. Não temos guiões escritos para agir neste mundo que nos surgiu do nada, de repente, sem aviso

A cada dia que passa aumenta o pacote de restrições com que as autoridades sanitárias querem travar a escalada da covid-19. Este domingo soubemos, por exemplo, que será proibido consumir bebidas alcoólicas nas ruas ou que não será possível reunir mais do que quatro pessoas por cem metros quadrados nos espaços comerciais. Esta escalada legitima a pergunta: por que não avançar já com uma medida drástica que pusesse todo o país em isolamento social, ao mesmo tempo que se encerravam as fronteiras? A resposta que os responsáveis pela saúde pública ou os membros do Governo têm dado é fácil de entender: medidas com tal gravidade exigem níveis de informação e de ponderação que evoluem com a própria dimensão do problema.

Talvez tenha chegado o momento de impor a todos uma medida tão drástica como uma espécie de prisão domiciliária. Talvez faça sentido suspender uma das vertentes fundamentais da União Europeia, que é a livre circulação. Mas faz eventualmente sentido fazê-lo hoje. Não fazia sentido tomar essa medida quando o vírus estava ainda em fase de contenção. Sabendo-se o que se sabia de outros países e, principalmente, o que se sabe agora, talvez tivesse sido melhor paralisar o país à força de lei mais cedo. Ninguém sabe. Nenhuma decisão, tomada antes ou agora, é insusceptível de dúvidas. Ou de contestação.

Estamos a cruzar um território absolutamente novo e é neste contexto que temos de colocar todas as dúvidas e situar todas as críticas. Como este domingo escreveu Teresa de Sousa, temos de ter confiança no Estado e uns nos outros, de estar preparados para os erros que o Governo cometeu ou vai ainda cometer, para problemas com o Serviço Nacional de Saúde, ineficiências do INE, imprevidências de autarquias ou de empresas e comportamentos associais de indivíduos ou grupos de indivíduos. E temos de estar preparados para denunciar ou criticar esses problemas à luz dessa realidade tão óbvia como desconcertante: somos os primeiros humanos a viver uma pandemia na era da informação. Não temos guiões escritos para agir neste mundo que nos surgiu do nada, de repente, sem aviso.

É por isso de saudar o clima de paz política que se ergueu sobre este nosso drama colectivo. Com excepção de um ou outro arrufo, descontando uma ou outra estupidez nas redes sociais, o país está a mostrar a sua faceta mais nobre. Pressionando os que agem contra as regras. Criticando com prudência o que está mal. Reagindo com calma e compreensão às crescentes medidas restritivas das autoridades. Solidarizando-se com os idosos que vivem sozinhos, com os médicos, com os empregados das farmácias ou dos supermercados. Focando-se, afinal, no que verdadeiramente importa: em dar as mãos para vencer o combate mais duro das presentes gerações.

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