A realidade parece surreal? Há duas novas séries em streaming (e ele não é imune ao coronavírus)

Westworld e The Plot Against America estreiam-se esta semana com parte do país em casa a ver no mundo real o que só conhece da ficção. Mas será mesmo um momento de ouro para HBO, Netflix e companhia?

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Aaron Paul em Westworld HBO
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Westworld HBO
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The Plot Against America HBO

Estreiam-se esta semana duas séries que desafiam a nossa ideia de realidade. Ficção especulativa, como lhes chamaria a escritora Margaret Atwood: uma sobre um passado alternativo em que Philip Roth desenha uma América presidida pelo anti-semita e simpatizante nazi Charles Lindbergh, outra com o regresso de Westworld e seus andróides bem alicerçados no “nosso” mundo. São cenas alternativas dos próximos capítulos quando Portugal e parte do planeta parecem viver numa realidade paralela e a sociedade se redesenha e aproxima da ficção.

Ambas as séries chegam via streaming e se pode parecer que a HBO Portugal ou a Netflix vão lucrar com a clausura de parte da população, pode não ser bem assim. “O binge watching pode tornar-se viral por causa do novo coronavírus?”, perguntam-se imprensa e espectadores nos últimos dias, enquanto fazem zapping na televisão tradicional e folheiam os menus das plataformas de streaming. Entre as novidades da ementa HBO, surge já esta segunda-feira a terceira temporada de Westworld, criação de Jonathan Nolan e Lisa Joy que há quase dois anos está fora dos ecrãs e que intriga uma comunidade leal (e por vezes confusa) de fãs.

Um dia depois, na terça-feira, será a vez de The Plot Against America, a mini-série em que David Simon (o criador de The Wire) adapta o romance de Philip Roth, lhe muda um pouco os nomes e os rostos (entram Zoe Kazan, Winona Ryder e John Turturro), mas sem desfigurar aquela que é uma perturbadora investida na América de 1940. Que, ao eleger o aviador Lindbergh, entra numa deriva isolacionista que subverte a História e provoca o pensamento. Faz pensar no actual papel destes serviços nos consumos culturais, mas lá iremos.

Ambas as séries se estreiam na HBO Portugal quase em simultâneo com os EUA. Por cá, serão vistas em streaming, mas apenas ao ritmo de um novo episódio por semana. Não são binge watching puro, daquele que permite devorar muitos episódios de uma só vez, mas surgem no meio certo na hora certa?

O timing e o contexto da sua chegada são meras coincidências, mas, como escreve o crítico Mike Hale no New York Times, “o momento pode mesmo ser precisamente o mais acertado para uma meditação paranóica sobre o possível fim da raça humana”. Refere-se a Westworld, que sai para uma Los Angeles ligeiramente futurista agora habitada por Aaron Paul (Breaking Bad) e que tem um quinhão de realismo precioso – o edifício da Cidade das Artes e das Ciências de Valência, dos arquitectos Santiago Calatrava e Félix Candela, por exemplo, é o exterior usado para a sede da empresa Delos, gestora dos parques temáticos como o Westworld do título. Nesta terceira temporada também há o parque dos nazis, porque isto anda tudo ligado.

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John Turturro como Charles Lindbergh em The Plot Against America HBO

A demagogia da actual presidência americana, mas também a covid-19, paira sobre a cabeça de David Simon agora que vê terminada a adaptação da sua versão televisiva de A Conspiração Contra a América (2004). “Se olharmos para o que está a acontecer com o coronavírus e com a incapacidade do nosso governo de falar com uma só voz coerente, e virmos este nível básico de desgoverno, penso que temos de nos preocupar com a república”, disse o argumentista à rádio pública NPR.

Entre a quarentena e a recessão

Entretanto, o sector do audiovisual tem outras preocupações neste início de mais uma semana em tempo de vírus. À tentação de presumir que as audiências de televisão vão subir (os números o dirão nos próximos dias) e que o streaming vai beneficiar com este momento particular, os analistas respondem com nuances – e a realidade também. Nos últimos dias, a Netflix ou a Disney, que lançou o seu próprio serviço de streaming nos EUA no final de 2019 e que no próximo dia 24 o estenderá ao Reino Unido (a Portugal só chegará algures no Verão), suspenderam as rodagens de séries e filmes nos EUA e Canadá devido à pandemia, mostrando-se tão atingidas quanto as suas congéneres da televisão linear. Ao mesmo tempo, as estreias que os grandes estúdios tinham para as salas de cinema estão a ser adiadas.

Por isso, e para já, as plataformas de streaming apostam tudo no seu catálogo para entreter subscritores em quarentena ou auto-isolamento. O Disney+ jogou mesmo o seu ás de trunfo ao estrear no domingo (três meses antes da data prevista) o mega-sucesso Frozen 2 – Reino do Gelo 2, “com os seus temas de perseverança e importância da família, mensagens incrivelmente relevantes nesta altura”, como sublinhou nos seus materiais promocionais.

As acções dos serviços de streaming e dos seus estúdios proprietários têm caído nos EUA e as plataformas não ganham mais por haver mais horas de visionamento, porque o seu modelo de negócio assenta nas assinaturas. E estas podem sofrer a médio prazo se houver uma recessão e consequente perda de empregos por causa da pandemia. “[Os trabalhadores] podem ter de desligar a sua actual subscrição Netflix para poupar dinheiro”, exemplificava há dias à revista Forbes a analista Laura Martin, da Needham and Company.

Ainda assim, ocupar o tempo de milhões de espectadores numa altura em que cinemas, teatros e concertos estão fechados continua a parecer uma oportunidade, dada “a combinação a curto prazo de teletrabalho e distância social”, contrapõe Jeff Greenfield, da empresa de marketing C3 Metrics, na mesma Forbes. Neste ecossistema em que o streaming tem atacado ferozmente o cinema e o audiovisual tradicionais, que cenário haverá dentro de meses?

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Evan Rachel Wood é Dolores em Westworld HBO

A andróide rebelde Dolores de Westworld diz a certa altura, num dos novos episódios: “A forma como eles construíram o seu mundo tornou isto tão fácil. Não vai ser preciso muito para fazer tudo colapsar.” Mas o editor da revista Screen International, Matt Mueller, acredita que pode haver um “efeito de ressalto” quando acabar a quarentena, como afirmou ao diário britânico The Guardian. “Quando acabar [a restrição ao movimento e aos ajuntamentos], as pessoas podem estar desesperadas para voltar a sair para o mundo, e podemos ver uma vaga de idas ao cinema.”

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