Coronavírus: Portugal terá 1,8 mil milhões de fundos urgentes para saúde e empresas

Comissão mobiliza 37 mil milhões em Iniciativa para o Investimento em Resposta ao Coronavírus no sector da saúde, mercado laboral e apoio a PME. Mas há muitas outras medidas para afastar recessão técnica e evitar danos permanentes na economia.

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LUSA/STEPHANIE LECOCQ

Portugal terá acesso a um financiamento imediato de 1,8 mil milhões de euros para suportar os custos de acções urgentes tomadas em resposta à crise do coronavírus no sector da saúde e em medidas destinadas ao mercado laboral e ao apoio a pequenas e médias empresas.

Essas são as três áreas elegíveis para a cobertura de despesas ao abrigo do novo instrumento financeiro criado pela Comissão Europeia em resposta à crise do coronavírus, que afinal terá um montante global de 37 mil milhões de euros provenientes de fundos estruturais e de investimento actualmente disponíveis no orçamento comunitário.

Anunciada pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na passada terça-feira, a “iniciativa para o investimento em resposta ao coronavírus” pode crescer dos 25 mil milhões de euros originalmente previstos, através de uma “engenharia financeira” que passa pela mobilização de uma parcela de 8 mil milhões de euros entregue aos Estados membros a título de pré-financiamento para a política de coesão, complementada por uma parcela de 29 mil milhões de euros correspondente ao co-financiamento comunitário inscrito no quadro financeiro plurianual.

No caso de Portugal, este modelo permite obter uma liquidez automática de 405 milhões de euros correspondentes às verbas da política de coesão que teriam de ser devolvidas a Bruxelas por não terem sido utilizadas, e agora o país pode guardar, às quais se acrescentam outros 1407 milhões de euros canalizados do envelope nacional do orçamento da União Europeia. Ou seja, através do redirecionamento das verbas que já tinham sido programadas, o país vai poder beneficiar de um novo financiamento de 1,813 mil milhões de euros sem precisar de gastar um tostão de dinheiro fresco.

“Este era dinheiro que estava adormecido nos envelopes nacionais dos fundos estruturais e que pode agora ser imediatamente activado para estes três sectores que antes estavam vedados aos investimentos da política de coesão”, explicou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que vai pedir ao Parlamento Europeu e ao Conselho da União Europeia para aprovar, com carácter de urgência, uma proposta de revisão dos regulamentos para permitir a distribuição deste dinheiro “o mais rapidamente possível”.

Segundo explicou fonte europeia ao PÚBLICO, “nesta altura a principal necessidade dos Estados membros é liquidez para responder a necessidades prementes”, como por exemplo a aquisição de material de protecção como máscaras ou equipamentos hospitalares do tipo dos ventiladores. Daí que o executivo tenha optado por “não fazer um grande exercício de reprogramação” orçamental, mas antes por “usar os programas existentes para disponibilizar imediatamente dinheiro que os governos podem usar para criar uma almofada financeira” — para suportar garantias bancárias que facilitem capital às PME ou para apoiar esquemas temporários de desemprego (como layoffs) para a protecção de postos de trabalho.

Injectar liquidez no sistema

O objectivo da Comissão é ter o processo de co-decisão concluído dentro de duas semanas — do lado do Parlamento, já veio uma garantia de que a comissão de Desenvolvimento Regional (Regi) que lida com os fundos estruturais, está disponível para “encontrar a forma mais eficiente para permitir que a iniciativa de resposta ao coronavírus seja adoptada e implementada o mais depressa possível”.

Sem perder tempo, os serviços da direcção-geral de Orçamento já pediram aos Estados membros para indicar o nome do governante que ficará responsável pela gestão deste processo, para que a preparação de candidaturas possa arrancar imediatamente. De acordo com a proposta, serão consideradas elegíveis todas as despesas realizadas a partir de 1 de Fevereiro.

E a injecção de liquidez no sistema não pára aqui. Ursula von der Leyen anunciou que vão também ser redireccionados outros mil milhões de euros disponíveis noutros programas do orçamento (caso do COSME e do Innovfin) para funcionar como garantia de empréstimos de uma nova linha do Fundo Europeu de Investimento que deverá mobilizar até oito mil milhões de euros de incentivos ao sector bancário. Nos cálculos do executivo, esta medida adicional que deverá tomar forma “já nas próximas semanas”, poderá sustentar o apoio de cem mil pequenas e médias empresas.

A Itália, que é até ao momento o Estado membro mais afectado pela crise do coronavírus, terá direito à maior fatia do novo instrumento financeiro, com um montante de 8,9 mil milhões de euros. Mas esses não serão os únicos fundos atribuídos ao país a titulo excepcional: como frisou Ursula von der Leyen, perante a severidade da situação, o executivo está aberto a conceder ao país a “flexibilidade máxima” no cumprimento das regras da UE, quer as relativas às ajudas de Estado quer às que têm a ver com o cálculo do saldo estrutural no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento. “A situação extraordinária em Itália obriga à autorização de um largo âmbito de medidas extraordinárias. Estamos totalmente prontos para ajudar a Itália com tudo o que for necessário. Tudo o que pedirem, nós responderemos”, prometeu.

Fundo Europeu de Solidariedade activado

Em termos de dinheiro novo, a Itália poderá absorver uma percentagem significativa do envelope global de 800 milhões de euros do Fundo Europeu de Solidariedade, cujo âmbito foi alargado pela Comissão Europeia para passar a incluir emergências de saúde, e assim cobrir despesas em operações de assistência médica à população e acções sanitárias de contenção da propagação do vírus. A Itália é o Estado membro que recebeu mais apoios ao abrigo deste instrumento que foi criado em 2002 para responder às necessidades dos Estados membros impactados por desastres naturais, e já deu resposta em 80 situações de crise, tendo distribuído mais de 5,5 mil milhões de euros.

Mas os apoios não ficam por aqui. Numa resposta concreta aos pedidos do primeiro-ministro, Giuseppe Conte, a presidente da Comissão Europeia garantiu que as medidas extraordinárias assumidas pelo Governo de Roma caem dentro da alínea 3b do artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, relativo aos auxílios concedidos pelos Estados. Diz essa alínea que são considerados “compatíveis com o mercado interno” as ajudas distribuídas para “sanar uma perturbação grave da economia de um Estado membro”.

Os restantes Estados membros também verão as suas medidas avaliadas à luz do mesmo artigo, mas por enquanto estão enquadrados pela alínea 2b, relativa aos “auxílios para remediar os danos causados por calamidades naturais ou outros acontecimentos extraordinários”. Segundo informou a vice-presidente executiva responsável pela pasta da Concorrência, Margrethe Vestager, a Comissão não vai demorar mais de que 24 horas a pronunciar-se após a notificação dos Estados membros sobre apoios concedidos em reacção à crise do coronavírus.

“Estamos preparados para agir rapidamente. Temos todos os procedimentos montados para responder às autoridades que precisem de ajuda para usar o quadro das ajudas de Estado para responder aos impactos do vírus”, garantiu Vestager, que viu os seus serviços dar luz verde em questão de horas a um pedido do Governo da Dinamarca, que quer disponibilizar 12 milhões de euros para compensar os organizadores de eventos com mais de mil pessoas cancelados por causa do surto de covid-19.

De resto, tanto Vestager como Von der Leyen apontaram várias acções “positivas” já encetadas pelos governos, nomeadamente para compensar os sectores do turismo, do comércio ou dos transportes e que não caem na definição de ajudas de Estado — como o deferimento das obrigações fiscais.

Pelo seu lado, o vice-presidente executivo responsável pela vigilância das regras orçamentais, Valdis Dombrovskis, repetiu que a Comissão recorrerá a “todos os instrumentos disponíveis” para permitir que os Estados membros possam financiar as suas medidas de resposta à crise sem serem obrigados a suportar custos adicionais. Mas precisou que não estamos a falar de “estímulos” mas antes de flexibilidade. “O nosso principio geral é muito claro: usaremos toda a flexibilidade prevista no Pacto de Estabilidade e Crescimento”, sublinhou, abstendo-se de comentar os pedidos específicos de alguns Estados membros mas confirmando que “as quantias que tiverem de ser mobilizadas para fazer face ao choque temporário do coronavírus serão excluídas no cálculo dos saldos estruturais” e do défice.

“Esta crise representa um desafio sem precedentes para os sistemas de saúde da UE e um choque brutal para a economia europeia”, reconheceu Ursula von der Leyen, que confia que as “medidas determinadas e ambiciosas” do pacote económico de emergência desenhado pela Comissão permitirão evitar danos permanentes. Estimativas preliminares dos serviços da Comissão, que são comentadas de forma informal pelos corredores do Berlaymont, apontam a hipótese de a União Europeia entrar em recessão técnica por causa da crise do coronavírus, com o crescimento de 2020 a estagnar para zero (ou até menos do que zero nalguns países).

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