BCE avisa que desta vez terão de ser os governos a lidar com a crise

BCE lançou pacote de medidas que aposta em facilitar a vida dos bancos, esperando que estes depois emprestem dinheiro às empresas. Mas Christine Lagarde deixa um aviso: “Ninguém pode esperar que seja o banco central a estar na linha da frente”.

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“Estamos perante um choque severo, mas que ainda pode ser temporário, desde que todos os actores tomem as medidas que são necessárias”, afirmou Lagarde, LUSA/ARMANDO BABANI

O Banco Central Europeu (BCE) anunciou esta quinta-feira medidas destinadas a contrariar o impacto económico negativo do coronavírus, especialmente destinadas a garantir que os bancos não têm desculpara para não emprestar dinheiro às empresas, mas Christine Lagarde fez questão de deixar claro que, desta vez, não pode ser o BCE a estar na linha da frente do combate a uma nova crise na economia.

A presidente do BCE, na conferência de imprensa que se seguiu ao anúncio de medidas por parte do banco central, fez questão de repetir, em diversas ocasiões que, para evitar que o choque a que a economia da zona euro está a ser sujeita tenha consequências ainda mais graves, é necessária uma intervenção decidida dos Estados, através da política orçamental.

“Estamos perante um choque severo, mas que ainda pode ser temporário, desde que todos os actores tomem as medidas que são necessárias”, afirmou Lagarde, defendendo em concreto que uma “resposta orçamental ambiciosa e coordenada é necessária para proteger as empresas e os trabalhadores em risco”.

A presidente da instituição deixou ainda claro, para quem está à espera que o BCE assuma o mesmo papel de liderança que em anteriores crises, que o problema actual tem características diferentes que forçam os governos a desempenhar um papel mais importante. “A situação é diferente da da Grande Recessão. A nossa análise é a de que a resposta tem de ser primeira e principalmente orçamental. Ninguém pode esperar que seja o banco central a estar na linha da frente”, afirmou.

Menos de uma hora antes, contudo, o BCE tinha anunciado a adopção de medidas de apoio à economia, como resposta aos prováveis impactos negativos trazidos pelo novo coronavírus. O BCE desiludiu os mercados ao não baixar mais as suas taxas de juro de referência (as bolsas europeias acentuaram as quedas que já vinham registando), mas reforçou o montante de compras de activos que irá realizar no decorrer deste ano. Até agora, estava prevista uma compra mensal de 20 mil milhões de euros de activos (principalmente títulos de dívida pública dos países da zona euro) e, esta quinta-feira, o BCE acrescentou novas compras de 120 mil milhões de euros até ao final do ano (cerca de mais 12 mil milhões ao mês), que se pretende tenham uma componente importante de dívida empresarial.

Fazer os bancos emprestar

Para além disso, nas medidas anunciadas, a entidade liderada por Christine Lagarde apostou essencialmente em facilitar ao máximo a vida aos bancos, para que estes depois emprestem dinheiro às empresas em dificuldades.

Isto é feito através da oferta de financiamento a longo prazo e a taxas ainda mais negativas. Isto é, o BCE vai pagar juros aos bancos, com valores até 0,75%, para lhes emprestar dinheiro.

Isto é feito através de três medidas. Em primeiro lugar, com impacto imediato, foi criada uma nova linha de financiamento a três meses os bancos, com o objectivo de “fornecer liquidez em termos favoráveis” até que as linhas a um ano previstas para Junho deste ano sejam lançadas. Estes empréstimos terão uma taxa de juro igual à taxa média de depósitos do BCE, que se encontra neste momento em -0,5%.

Depois, são também melhoradas as condições das linhas de empréstimos de longo prazo que já estavam previstas para Junho. Nesse caso, a taxa de juro aplicada ficará 25 pontos base abaixo da taxa média de depósitos do BCE, isto é, poderá chegar aos -0,75%.

Antes disso, já tinha sido anunciado o alívio dos rácios de capital exigidos aos bancos da zona euro, com o BCE a dizer que será permitido aos bancos apresentar rácios que fiquem “temporariamente abaixo” dos níveis exigidos, aceitando-se também que as instituições financeiras usem activos antes considerados de qualidade inferior na sua contabilização de capital.

Noutra medida que poderá vir a ser bem recebida pelos bancos, a Autoridade Bancária Europeia anunciou que irá adiar a realização dos testes de stress que estavam previstos para este ano.

A dúvida que subisiste, perante todas estas benesses oferecidas aos bancos, é se estes irão efectivamente conceder mais crédito à economia.

Christine Lagarde afirma que aquilo que o BCE pretende com estas medidas é “apoiar o crédito dos bancos àqueles mais afectados pela expansão do coronavírus, em particular as pequenas e médias empresas”. Mas também aqui, diz que para garantir que tal aconteça pode ser preciso que os Estados também adoptem medidas, nomeadamente a concessão de garantias de crédito públicas.

“Para encorajar os bancos a emprestarem às PME, defendemos que existam esquemas de garantias de crédito criados pelos Estados. Se é ao nível dos países ou ao nível europeu, o que é preciso é que isso seja feito”, afirmou, elogiando o facto de alguns governos já terem avançado nesta direcção. Em França, numa repetição de medidas tomadas na crise anterior, o governo anunciou a criação de novos mecanismos de garantia de Estado aos empréstimos realizados pelos bancos às empresas.

Com os mercados a reagirem negativamente ao pacote de medidas do BCE – e em particular ao facto de não ter havido uma descida de taxas de juro – Lagarde disse não ser motivo de preocupação, uma vez que “é preciso tempo para os mercados assimilarem o verdadeiro impacto das medidas”, salientando antes que as decisões “foram tomadas de forma unânime” por todos os membros do conselho de governadores.

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