Quénia fecha matadouros de burros para travar fabrico de “elixir” chinês

O ministro da Agricultura do Quénia ordenou que fossem encerrados os quatro matadouros de burros, que exportavam para a China a pele dos animais para o fabrico de eijao. Medida visa impedir que as populações de burros sejam “dizimadas”.

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Reuters/ANTONY NJUGUNA (Arquivo)

O ministro da Agricultura do Quénia ordenou o encerramento dos matadouros de burros, à medida que têm crescido as preocupações sobre o roubo destes animais por gangues, que procuram as suas peles para uso em fármacos chineses. O Quénia tornou-se o epicentro de uma indústria em rápido crescimento, que fornece peles de asno à China, onde são cozidas para a produção de uma geleia chamada ejiao. Este produto, apresentado como um “elixir milagroso”, é usado na medicina tradicional, sob a crença de que pára o envelhecimento e aumenta a libido, entre outros benefícios.

O Quénia tem quatro matadouros licenciados de burros — mais do que qualquer outro país no continente — que abatem cerca de mil animais por dia, de acordo com dados do Governo. Mas a procura crescente da China por ejiao tem dado força ao mercado negro de roubo de burros por gangues contratados por redes de contrabandistas de peles, exaltando os ânimos das comunidades que dependem destes para a subsistência, agricultura ou transporte.

“Queremos travar essa criminalidade, queremos travar essa brutalidade”, afirmou o ministro da Agricultura do país, Peter Munya, aos jornalistas, depois de se encontrar com proprietários de burros em protesto, em Nairobi, a 25 de Fevereiro. “[Queremos] restaurar o lugar certo dos burros, na nossa sociedade — em que apoiam a subsistência e providenciam transporte crucial que é difícil de obter, especialmente para os escalões mais baixos da nossa sociedade.” Esta medida visa impedir que as populações de burros sejas “dizimadas”, ainda que tal vá abalar a economia do país, confessou o ministro, de acordo com a Reuters. Foi exigido aos matadouros que fechassem as portas no espaço de um mês.

Mais de 300 mil burros — 15% da população existente no Quénia — foram abatidos para exportação de pele e carne em menos de três anos, de acordo com a Kenya Agricultural & Livestock Research Organization (KALRO). Mais de quatro mil foram registados como roubados no mesmo período, de Abril de 2016 a Dezembro de 2018, informou a organização num relatório em Junho passado.

O documento alertava ainda que os animais estavam a ser abatidos a uma velocidade cinco vezes mais alta do que a sua população crescia, o que podia extinguir os burros no Quénia já em 2023. O país tem actualmente uma população de 1,2 milhões de asnos, face aos 1,8 milhões de há uma década, segundo dados do Governo.

Quénia, um exemplo?

Os proprietários de burros que perderam os seus animais receberam com agrado a decisão, mas temem que o negócio continue agora à margem da lei. “Deus é bom. Ele lembrou-se dos pobres no Quénia, que não têm nada além dos burros”, referiu John Nduhiu Kuiyaki, dirigente de uma associação de proprietários de burros nos arredores de Naivasha, a cem quilómetros a Norte de Nairobi. “Perdemos muito dinheiro, com o furto dos nossos burros — mas isto tem tido impacto em tudo, desde termos possibilidade de mandar os nossos filhos para escolas boas, até a não conseguirmos comprar terrenos.”

O grupo de 30 proprietários tinha cem burros, mas os roubos nos últimos três anos deixaram-nos só com 50, contou o responsável à Reuters. Grupos de direitos dos animais afirmam que esperam que esta medida possa encorajar outras nações africanas a seguir o exemplo. “Esta jogada do Governo queniano muda tudo”, caracterizou Mike Baker, presidente executivo da Donkey Sanctuary, organização não-governamental sediada no Reino Unido. “Países como a Tanzânia só entraram no negócio porque estavam a perder muitos burros para o Quénia. Agora, não têm razão para permitir o funcionamento de matadouros de burros, e estamos a apelar que sigam a decisão do Quénia.”

Um problema global

A procura por eijao tem vindo a aumentar largamente com o passar dos anos — hoje, a China produz seis mil toneladas deste produto por ano. África começou precisamente a abater burros para responder a esta demanda. Em 1990, a população de burros no continente era a maior do mundo, com 11 milhões de animais; hoje restam três milhões, indicam dados do governo chinês, citados pela BBC.

O problema é global, conforme relatava ao P3 em 2018 o veterinário João Rodrigues. Há “mega-quintas” na China dedicadas somente à criação de burros com o objectivo de apenas lhes retirar a pele. “Tanto faz que o animal seja magro, ou gordo, bem ou maltratado”, contava o especialista. Para corresponder à procura desejada, a China precisaria de dez milhões de burros por ano.

Em Fevereiro de 2018, a Comissão Nacional de Saúde e Planeamento Familiar chinesa, citada pela Donkey Sanctuary, terá admitido que “não valia a pena comprar” ejiao. A associação já conseguiu impedir que, desde 2018, o produto castanho, brilhante, tenha deixado de ser vendido no eBay, mas ainda é possível adquiri-lo através da Amazon. Segundo a BBC, o ejiao tem preços que vão até cerca de 340 euros por quilo.

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