Marina usa a cerâmica para atravessar o mar dos Açores

Natural dos Açores, Marina Mendonça viveu em Lisboa até há dois anos, quando decidiu mudar-se para Santa Maria. Na ilha mais oriental do arquipélago, é ceramista a tempo inteiro. Via Instagram, vende peças para todo o mundo.

Fotogaleria
Pepe Brix
Fotogaleria
Pepe Brix

Há dois anos, Marina Mendonça, então com 47, resolveu mudar de vida. Primeiro decidiu dedicar-se em exclusivo à cerâmica e deixar o emprego numa loja de esferográficas que tinha arranjado para assegurar a permanência das duas filhas na faculdade – até porque, as filhas, actualmente com 29 e 24 anos, já estavam licenciadas. Depois, decidiu trocar Lisboa pela ilha de Santa Maria, nos Açores. Uma velha casa de família na ilha mais oriental dos Açores serviu de mote para a mudança.

 “Se podia fazer cerâmica em Lisboa? Poder podia, mas estamos a falar das ilhas…”, começa por dizer ao P3, justificando, em seguida, o silêncio após a resposta: “Não sei bem explicar por palavras”. Depois de uma pausa, lá consegue encontrar as palavras. “É a liberdade, sobretudo a liberdade de tempo. Parece que temos muito mais tempo, a natureza é outra, a proximidade com o mar, sempre o mar.”

O mar. A principal inspiração para os trabalhos que faz, sobretudo para a criação dos “mini-monstros”. “Chamei-lhes monstros por acaso. São personagens das pequenas histórias que vamos falando aqui nas ilhas”, explica. Através do barro, Marina dá corpo a “monstros marinhos” criados a partir de lendas e histórias do “imaginário do mar”. A última peça que fez, por exemplo, foi inspirada numa outra que viu num livro sobre lendas dos Açores e que, supostamente, deveria estar em exposição no museu de Angra do Heroísmo. Não estava. “A peça não estava exposta, não estava catalogada, era impossível de ver. Era um peixe super estranho.” Acabou por ter “sorte” porque uma amiga lá tratou do trabalho burocrático para aceder à peça e conseguiu fotografá-la. “A peça nem tinha nome, toda a gente dizia que era a peça mais feia do museu. Mas eu achei lindíssima”, diz, entre risos.

Além dos monstros, Marina divide o tempo a fazer outro tipo de peças: as peças de mesa, sobretudo pratos. “Pratos grandes, pratos de servir, pratos de diferentes formas”, diz. Procura usar barro natural de Santa Maria, mas nem sempre é possível devido à dificuldade na extracção do material, pelo que usa “quase todos os barros”, sobretudo grés e faiança portuguesa. “Vejo caso a caso, depende da peça que vou fazer.”

Mas não só de monstros e pratos vive a arte de Marina. Nos últimos tempos tem recebido encomendas para criar pequenas formas de ananases e baleias, símbolos dos Açores, que depois são transformados em ímanes. Mesmo quando não parte dela, a evocação aos Açores está lá. O que não é de estranhar vindo de uma açoriana: afinal, a ida para Santa Maria foi um regresso. Marina nasceu em São Miguel, depois viveu no Faial, no Pico, na Terceira, no arquipélago vizinho da Madeira, passou pelo Algarve, pelo Porto e por Angola. Tudo isso até aos 19 anos, por culpa da profissão do pai.

Foto
Marina Mendonça Pepe Brix

Marina reconhece que só “assentou” quando foi estudar para o Centro de Arte e Comunicação Visual (ArCo), em Lisboa. Apesar de ter tido as primeiras experiências com cerâmica aos 16 anos, o objectivo era estudar escultura. Acabou por se apaixonar pela cerâmica. Terminada a formação, diz, fez aquilo que “tinha de fazer”: dar aulas. Deu aulas em escolas, misericórdias e câmaras municipais, enquanto mantinha a actividade como ceramista. Actividade que, aliás, nunca deixou, nem mesmo quando vendia canetas. “Hoje já há uma maior abertura para a cerâmica, mas naquela altura não havia, era uma arte menor”, diz, referindo-se a uma situação que “felizmente” já mudou porque “já há muita gente a trabalhar em cerâmica”.

Pepe Brix
Pepe Brix
Pepe Brix
Fotogaleria
Pepe Brix

E como é trabalhar em cerâmica numa ilha com pouco mais de 5000 habitantes? “Sinto algumas dificuldades porque aqui somos menos”, responde. Mas há formas de contrariar as dificuldades. Marina, por exemplo, aposta “sempre em outros meios”, como a “divulgação” e o envio de trabalhos para fora da região. “A minha venda maior é via Instagram, sobretudo para pessoas de fora dos Açores”, diz, apontando clientes de Portugal continental, da Bélgica, de França, dos Estados Unidos, do Canadá. As peças estão também à venda em espaços físicos em São Miguel e em Santa Maria, ilha onde “existe uma grande procura” no Verão devido ao “turismo sazonal”. Também percorre feiras, como a Feira Internacional de Lisboa, onde representou Santa Maria, o Mercado Urbano de Artesanato em Ponta Delgada e a Feira de Artesanato e Design de Cabo Verde.

Por tudo isso, reconhece que estar numa ilha a meio do Atlântico não prejudica o seu trabalho. “Tem resultado bem, melhor até do que eu tinha pensado inicialmente”. Muito devido às redes socais, “uma mais-valia nesta área”, tal como a possibilidade de venda pela internet. Por isso, já está a trabalhar numa loja online que estará a funcionar brevemente, para responder à “grande procura” por trabalhos em cerâmica. “A cerâmica tem uma visibilidade que não tinha há uns anos. Há uma grande procura, felizmente, o que dá valor aos artesãos.” Para Marina, o oceano serve como inspiração e não como obstáculo.

Sugerir correcção
Comentar