Paciente de Londres revelou a sua identidade

Chama-se Adam Castillejo, tem 40 anos, e diz que agora se encontra preparado para ser “embaixador da esperança”. O paciente de Londres revelou a sua identidade um ano depois de o mundo conhecer o seu extraordinário caso de remissão de VIH.

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Adam revelou a sua identidade num artigo do New York Times mas mantém a mesma imagem no seu perfil do Twitter DR

Em Março do ano passado Adam Castillejo foi apresentado simplesmente como “o paciente de Londres”. Era o segundo caso de um doente em remissão de VIH, depois um transplante de medula, e isso bastava para ser notícia em qualquer parte do mundo. Agora, o homem atrás do caso relatado num artigo de uma revista científica, a Nature, quis revelar a sua identidade para ser, reclama, “embaixador da esperança”. Adam Castillejo está há 30 meses sem sinais de VIH.

A história que revela o nome e o rosto do paciente de Londres foi publicada esta segunda-feira no jornal New York Times. A grande diferença é passarmos a ter a sua voz na narrativa que até agora apenas pertencia aos médicos e investigadores responsáveis pelo extraordinário caso. “Esta é uma posição única para estar, uma única e humilde posição”, disse Adam Castillejo na sua primeira entrevista.

Esta é a altura certa para falar, justifica o homem que acredita que não foi “escolhido” para o arriscado e bem-sucedido procedimento, mas apenas estava “no sítio certo, provavelmente na altura certa”. A experiência, conta ao jornal norte-americano, foi surreal. “Viu como milhões de pessoas reagiam às notícias sobre a sua cura e especulavam sobre a sua identidade. ‘Eu estava a ver TV e sabia que estavam a falar de mim’, disse ele. ‘Foi muito estranho, uma situação muito esquisita”, lê-se no artigo do New York Times.

A decisão de revelar a sua identidade só terá sido tomada há algumas semanas. Uma das razões para isso está relacionada apenas com a simples passagem do tempo, que continua mês após mês a confirmar o desfecho feliz do seu caso. Há um ano, os jornais espalharam a notícia de um homem que estava em remissão de VIH há 18 meses. Agora, a história está mais forte do que nunca. Adam Castillejo não tem VIH há 30 meses.

No artigo, Adam lembra que foi diagnosticado em 2003 com VIH, quando tinha apenas 23 anos. Em 2011 descobriu que tinha cancro (um linfoma de Hodgkin) e seu mundo caiu pela segunda vez. Na Primavera de 2015 os médicos disseram-lhe que dificilmente sobreviveria até ao Natal. Os tratamentos para os dois graves problemas de saúde foram agressivos e destruidores e, quando tudo parecia já não ter nenhuma solução à vista, surgiu a possibilidade de ser submetido a um transplante de medula com um “bónus” inacreditável.

No Outono de 2015 foi chamado por um médico especialista no tratamento de cancro e VIH que tinha contactado pouco tempo antes, recorda. Voltou a sorrir. Uma equipa de dezenas de médicos estava disposta a tentar tratar o cancro e eliminar o VIH do organismo de Adam ao mesmo tempo, recorrendo a um dador de medula compatível e com uma mutação genética específica. Recebeu o transplante em Maio de 2016 depois de mais um retrocesso no final de 2015 e de inúmeros esforços para repor uma condição física que aguentasse o delicado procedimento. E, para espanto do mundo, os médicos conseguiram.

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O paciente de Berlim, Timothy Ray Brown Ricardo Campos

Já não é tão cedo

Adam não foi o primeiro. Um outro doente, o “paciente de Berlim”, foi durante muito tempo o único caso de remissão na longa história do vírus da sida. Timothy Ray Brown recebeu um transplante de medula óssea em 2007 de um dador que tinha uma mutação específica num gene específico e conseguiu livrar-se do VIH. O artigo publicado em Março de 2019 na revista Nature foi a esperada confirmação de que não se tratava de uma mera anomalia ou acaso feliz, apresentado mais um doente que também recebeu um transplante de medula óssea de um dador com a mesma mutação no mesmo gene e que estava em remissão há 18 meses.

As histórias dos dois pacientes têm alguns pontos em comum importantes. Começa, por exemplo, no facto de os cientistas saberem da existência de um gene que abria a “porta” dos linfócitos-T CD4+ para a infecção do VIH. Assim, quando este gene tinha uma mutação as pessoas tornavam-se resistentes ao vírus. É, infelizmente, uma mutação rara, sabendo-se que aparece em apenas cerca de 1% dos europeus, mas funciona como uma protecção natural para este vírus.

Além de VIH, Timothy Ray Brown também tinha uma leucemia e recebeu um transplante de medula de um dador compatível e com a mutação do “decisivo” gene. Passados mais de dez anos, continua sem sinais da infecção do VIH e já é “embaixador da esperança” há muito tempo. Quando esteve em Lisboa, em 2016, afirmou, entre outras coisas, que não queria ser “a única pessoa no mundo que se curou do VIH”. Mais um desejo que, como se sabe, se concretizou.

É certo que ainda não é conhecido um terceiro caso de sucesso. Os especialistas têm insistido que há muitas tentativas para replicar este método desde o paciente de Berlim e que, por diversos motivos, acabam por fracassar. E o transplante de medula está longe de ser uma opção prática e sensata para eliminar o VIH, sobretudo quando implica tantos riscos e quando sabemos que as actuais terapias anti-retrovirais já garantem uma boa esperança de vida e previnem a transmissão para outras pessoas.

Adam Castillejo passou por vários esquemas terapêuticos com diferentes regimes e combinações, mas deixou de tomar a terapia anti-retroviral 16 meses depois do transplante de medula, em Outubro de 2017. Na altura da publicação de artigo que demonstrava que o ARN do VIH-1 ficou indetectável após o transplante e que o paciente permanecia em remissão há já 18 meses, os investigadores não queriam falar de cura. Era demasiado cedo, garantiam.

Agora, já passou mais tempo. Agora, é o próprio Adam Castillejo que conta a sua história sobre a cura de VIH. Criou uma conta no Twitter para espalhar a mensagem de optimismo com o nome “paciente de Londres”. Diz que agora está preparado para ser “embaixador da esperança”. Confessa que quando ouve alguém a chamar-lhe o “paciente de Londres” fica mais calmo. E, diz o New York Times, o homem alto (com mais de 1,80 metros de altura), robusto, de cabelo comprido e escuro tem um sorriso fácil. Não faltam motivos para isso. 

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