O homem que nunca amou

O homem que nunca amou encontra-se neste momento à janela de sua casa, vê os transeuntes à medida que a luz do dia diminui, não pretende arredar pé antes de se fazer escuro.

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Sasha Freemind/Unsplash

Podia ser o título de um romance duvidoso do Nicholas Sparks, mas não encontro outra forma de o nomear. O homem que nunca amou encontra-se, neste momento, a espreitar os transeuntes do bairro em que habita, através do vidro da janela de sua casa. Não conhece ninguém nas redondezas. Há mais de uma década que vive naquele apartamento diminuto. Não conhece ninguém porque não quer. Já soube conversar, é bonito, talentoso e inteligente, mas não aprecia estar com pessoas ou com animais. Só tolera a companhia das suas plantas naturais — dois cactos grandes e uma strelitzia, também conhecida como ave-do-paraíso. São, portanto, três os vasos com plantas em sua casa, junto à janela em alumínio e sem cortinas. As plantas são os seres vivos que lhe bastam por companhia.

Gosta de comer bem e cozinha para si. Enchidos, cozidos e outras pesadas iguarias. Como se costuma dizer, é um bom garfo e nem por isso engorda. Come mais do que devia, e continua fino como um cabo eléctrico. Nada lhe faz proveito. Noutros tempos teve namoradas. Gostou delas mas não mais do que o “normal”. Um pouco mais do que amizade, bastante menos do que amor. Quando lhe perguntam como é que sabe que nunca amou (uma vez que se não sabe o que é, como pode saber que nunca o sentiu?), responde que sabe. Diz que é incapaz de amar. Não parece que isso o entristeça ou incomode, sabe que é assim e pronto. Deixá-lo estar. Os dias passam entre escritório e casa. Entre um cozido e um peixe inteiro no forno. Entre um livro de Marx e uma conversa de chat com algum desconhecido.

O homem que nunca amou encontra-se neste momento à janela de sua casa, vê os transeuntes à medida que a luz do dia diminui, não pretende arredar pé antes de se fazer escuro. Depois, irá até à cozinha e, nesse gesto maquinal de abrir a porta do frigorífico e sentir o ar frio no rosto, saberá o que lhe apetece jantar.

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