Em São Paulo, a marcha do Dia da Mulher é um acto de resistência contra Bolsonaro

As políticas do Governo e as declarações misóginas do Presidente criam um clima de estímulo à violência contra as mulheres, dizem activistas durante a manifestação de um domingo chuvoso.

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Apesar da chuva, milhares de pessoas assinalaram o Dia Internacional da Mulher em São Paulo EPA/Fernando Bizerra

A chuva persistente que se abateu sobre São Paulo não desencorajou milhares de pessoas que marcharam este domingo pela Avenida Paulista para assinalar o Dia Internacional da Mulher. Organizado por partidos de esquerda, movimentos sociais, organizações feministas e sindicatos, a manifestação tornou-se num acto de oposição ao Governo de Jair Bolsonaro.

Na principal avenida de São Paulo, vários grupos desfilaram com cartazes que lembravam as desigualdades salariais entre homens e mulheres, o número de feminicídios no Brasil (em 2019 foram mais de 1300 mulheres assassinadas pelos companheiros) e frases contra o assédio sexual. Recordou-se também Marielle Franco, a vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018 que se tornou num símbolo contra a violência política no Brasil. No próximo sábado assinalam-se dois anos da sua morte e são esperadas manifestações em várias cidades brasileiras.

Num Março em que a política no Brasil será feita mais na rua do que nos gabinetes – há várias manifestações de grande escala marcadas para as próximas duas semanas – o Dia Internacional da Mulher serviu como pontapé de saída. O lema da manifestação deste domingo foi “Mulheres contra Bolsonaro”, não disfarçando o forte tom de oposição a um Governo que acusam de não só estar a promover a regressão dos direitos das mulheres, como a criar um clima que encoraja a violência e os abusos.

Chove sem parar e o calor da manhã depressa se vai embora. O tempo é pouco convidativo para usar pouca roupa, mas Patrícia Kawaguchi, de 30 anos, está de tronco nu, com o corpo pintado. Segura uma moldura com a seguinte legenda: “Fornecedora de $, serviço e prazer, e o que a ‘família’ precisa”. A estudante de Arte veio num dos dois autocarros que saíram de Campinas, uma cidade universitária a cerca de cem quilómetros de São Paulo, com alunos da universidade local, a UniCamp. Ela e os colegas decidiram fazer uma “intervenção artística” durante a marcha do Dia da Mulher em que personificam vários abusos cometidos contra as mulheres. Patrícia é “o retrato da violência psicológica”, diz ao PÚBLICO.

A estudante diz que o Governo de Bolsonaro tem sido “pior do que esperava”. “Além das políticas, muitas pessoas em posições de poder dão declarações contra a inclusão e contra o combate às opressões”, lamenta, citando o próprio Presidente e a ministra dos Direitos Humanos, a pastora evangélica Damares Alves, que recentemente defendeu a abstinência sexual como método para combater a gravidez na adolescência.

Um pedido de empatia

Abrigada da chuva debaixo no vão do Museu de Arte de São Paulo, Regina Lúcia dos Santos, de 65 anos, assiste à passagem da marcha ao lado do marido e do neto, de sete anos. É dirigente do Movimento Negro Unificado e veio à manifestação em nome da “democracia, contra a retirada de direitos e pela vida das mulheres”, citando os nomes de Marielle, Cláudia e Dandara, mulheres vítimas de violência. O neto interrompe a conversa para gritar “E contra Bolsonaro!”.

Um apoiante do Presidente que estivesse a assistir à cena decerto não iria deixar escapar a oportunidade de apontar um caso de “doutrinação” de uma criança. A educação tornou-se numa das arenas de confronto mais intenso da polarização política no Brasil. Regina rejeita tal coisa. “O que tentamos passar para o meu neto é que ele possa ter a informação necessária para olhar o mundo”, afirma, acrescentando com orgulho que ele tem uma “sensibilidade” própria.

E o que diria a activista a uma mulher apoiante de Bolsonaro? “Pediria empatia com a maioria da população.”

Com Bolsonaro em Brasília, Regina vê o “recrudescimento de todas as mazelas” de que o Brasil já sofria em termos de violência contra as mulheres e contra as minorias. “O que já conhecíamos piorou muito. A polícia, os homens, estão a sentir-se libertados para matar porque o Estado brasileiro encarna essa violência”, observa.

Um ponto semelhante é levantado por Elânia Santos, uma professora do ensino fundamental, equivalente ao ensino básico português, que diz que “Bolsonaro incita a violência”. “Ele inspira homens que já eram misóginos a mostrar isso sem medo de represálias”, afirma.

A professora de 34 anos diz que o assédio sexual é “muito constante” e conta um episódio pelo qual passou num autocarro lotado, quando um homem se encostou a ela de forma “incómoda”. “Quando percebi que era um abusador, peguei no celular para expô-lo, mas acabou por sair quando viu”, conta. Apesar de assistir a uma degradação da situação das mulheres, Elânia encontra sinais positivos: “Se, por um lado, temos um aumento das violências, por outro, temos mulheres mais unidas.”

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