Pequenas barragens estão a fazer desaparecer mexilhão de água doce

O mexilhão-de-rio vive geralmente mais de 50 anos.

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O investigador Ronaldo Sousa DR

As pequenas barragens estão a “fazer desaparecer” o mexilhão de água doce, uma espécie “criticamente ameaçada na Europa”, alerta um estudo da Universidade do Minho, sugerindo que “se evite a construção de barragens nos rios com aquela espécie.

O investigador Ronaldo Sousa, cujo trabalho que coordenou foi publicado agora na revista Science of the Total Environment, aponta ainda que “se avalie a possível desactivação de barragens nesses rios [onde há mexilhões] e se melhore a gestão dos respectivos caudais a jusante das barragens, procurando a naturalização das secções sob a sua influência”.

Segundo o estudo, que avaliou 66 locais nos rios Mente, Rabaçal e Tuela, no distrito de Bragança, os mexilhões-de-rio, ou Margaritifera margaritifera, são 98,5% mais abundantes acima da zona de influência das barragens e 97,4% abaixo destas estruturas.

A presença de juvenis só foi reportada a montante das barragens, o que indica que a reprodução destes animais é comprometida em zonas sob influência das barragens e a jusante destas, refere um comunicado de imprensa sobre o trabalho. “A presença de pequenas barragens afecta drasticamente a abundância e o recrutamento destas populações”, refere Ronaldo Sousa, que é investigador do Centro de Biologia Molecular e Ambiental e professor do Departamento de Biologia da Escola de Ciências da Universidade do Minho, em Braga.

Há mais de 80 mil pequenas barragens (geram até dez megawatts), que, ao contrário das de maiores dimensões, se localizam em geral nas zonas de cabeceira das bacias hidrográficas. “Essas áreas são habitat de muitas espécies, geram importantes funções e serviços e são usualmente menos perturbadas pela actividade humana, constituindo assim ecossistemas com alto valor de conservação. Porém, existem pressões crescentes para a construção das pequenas barragens acelerar nas próximas décadas, por isso importa avaliar como estas afectam a biodiversidade”, lê-se no comunicado.

No caso dos mexilhões-de-rio, a investigação observou que, junto às barragens, há significativamente uma maior acumulação de sedimentos finos e de sólidos em suspensão e menos oxigénio dissolvido. “É especialmente prejudicial para o Margaritifera margaritifera, que vive no fundo do rio em áreas ricas em oxigénio e com sedimentos grosseiros pobres em matéria orgânica”, refere o investigador citado no comunicado.

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Três mexilhões no rio Tuela, distrito de Bragança DR

A espécie, aponta Ronaldo Sousa, “tem em geral uma vida de mais de 50 anos e as suas larvas precisam de um peixe hospedeiro para completar a metamorfose”, pelo que “estas características naturais e as crescentes pressões humanas – mudanças climáticas, poluição, pesca excessiva, barragens e introdução de espécies invasoras – tornam a sua conservação muito difícil”.

Os estudos foram desenvolvidos em conjunto com cientistas do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) e do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar), ambos da Universidade do Porto, bem como do Centro de Investigação e de Tecnologias Agro-ambientais e Biológicas​ da Universidade de Trás-os-Montes Alto Douro e, ainda, do Centro de Investigação de Montanha do Instituto Politécnico de Bragança. Os resultados, segundo Ronaldo Sousa​, apontam que “75% das espécies europeias de mexilhões de água doce estão em risco.”

A equipa, que também trabalha noutras geografias como o Sudeste Asiático e o Norte de África, averigua ainda a “possibilidade de criar, em laboratório, juvenis para repovoar as zonas fluviais e as espécies mais afectadas em Portugal”, onde “os casos mais preocupantes são, além de Margaritifera margaritifera, a Potomida littoralis (ameaçada) e Unio tumidiformis (vulnerável).

“Os bivalves têm funções relevantes, como filtrar na coluna de água, e são bioindicadores da qualidade da água. Precisam normalmente de habitats com água corrente e, num sistema de água parada sob influência das barragens, não têm condições ambientais e desaparecem, inclusivamente nos primeiros quilómetros após as barragens, pois o habitat foi alterado”, sublinha-se no comunicado.

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