Precisamos de uma “Operação Acolhida” para a União Europeia?

O desastre humanitário já se anuncia. Urge implementar um programa europeu que evite os mesmos erros de 2015. Esta situação na fronteira externa da UE não é um problema grego ou búlgaro, mas uma questão global com impacto europeu. A inércia de hoje, tal como no passado, pode matar. Matará.

Bulgária e Grécia voltam a estar na linha da frente. Dezenas de milhares de um fluxo misto de refugiados e imigrantes vão-se acumulando e pressionando as autoridades gregas e búlgaras na tentativa de entrar na União Europeia (UE). Esta nova vaga de uma mesma crise geopolítica que persiste desde 2015 tem tudo para repetir os graves crimes contra a humanidade dos anos recentes. Na Síria, o agravar do conflito gera uma nova vaga de refugiados. Na Turquia, Tayyip Erdoğan usa, sem pudor, a “bomba humana” para condicionar a geopolítica Europeia. Nas fronteiras externas da UE, como acontece há muito, acumulam-se potenciais migrantes económicos que tentarão aproveitar momentos de desordem para entrar na UE. À espreita, como sempre, os traficantes de seres humanos e os passadores tentarão aproveitar o caos para benefício do seu negócio.

O desastre humanitário já se anuncia. Urge implementar um programa europeu que evite os mesmos erros de 2015. Esta situação na fronteira externa da UE não é um problema grego ou búlgaro, mas uma questão global com impacto europeu. A inércia de hoje, tal como no passado, pode matar. Matará.

Como podemos aprender com o passado recente? O meu conselho é o de podermos estudar a experiência recente de um país que nos é próximo para uma adaptação ao contexto europeu. No Brasil, em fevereiro de 2018, face ao grande fluxo migratório com origem na Venezuela, foi criado um programa de acolhimento de imigrantes e de refugiados. Apelidado de “Operação Acolhida”, é um exemplo de governação integrada face a um problema social complexo. Na base deste programa está um inesperado humanismo pragmático do atual governo brasileiro. Inesperado pelo conhecido e vil extremismo ideológico nacionalista e anti-imigração da administração Bolsonaro, mas funcional e exportável para a UE. Pouco conhecido internacionalmente, merece uma referência expressa.

Face a uma pressão migratória sem precedentes na fronteira com a Venezuela que, desde 2017, foi responsável pela entrada no Brasil de várias centenas de milhares de venezuelanos, foi criada uma operação de acolhimento e integração de imigrantes e refugiados. Coordenada pelo Governo Federal, implementada pelo Exército brasileiro, com o apoio de várias agências da ONU e de mais de 100 entidades da sociedade civil, a “Operação Acolhida” oferece assistência emergencial aos imigrantes venezuelanos que entram no Brasil pela fronteira norte (em Roraima) mas impacta em todo o território brasileiro a jusante desta fronteira.

Este programa está organizado em três eixos complementares: 1) ordenamento da fronteira (que consiste na avaliação de documentação), vacinação e numa operação de registo, identificação e controlo; 2) acolhimento, que implica a oferta de abrigo provisório em campos de refugiados expressamente construídos para o efeito, provimento de alimentação e atenção à saúde dos requerentes de asilo e imigrantes; 3) e, muito importante, do que foi denominado de “interiorização”, isto é, o movimento voluntário de venezuelanos de Roraima para outros Estados brasileiros tendo como objetivo uma mais adequada integração/inclusão socioeconómica. Solidariedade e subsidiariedade.

Não cabe aqui uma descrição pormenorizada desta “Operação Acolhida”. Importa, porém, sublinhar a generosidade e empenho do Brasil. Em Pacaraima, a porta de entrada no Brasil, o caos há muito que está controlado. A gestão do fluxo migratório começa nas estruturas montadas para assegurar a recepção, identificação, fiscalização sanitária, imunização, regularização migratória e triagem dos imigrantes venezuelanos e termina na vinculação de todo o Brasil a um problema que, tendo um impacto extremo na linha da frente que são os Estados do Norte, é, na verdade, um desafio de toda uma região. Não é um plano perfeito, mas, sem margem para dúvidas, é bem melhor do que o que temos na UE.

Ao assistir ao caos, gás lacrimogéneo, crianças em perigo, fome, frio e incapacidade de reação que persiste na fronteira da Turquia com a UE, quero lembrar que não é preciso reinventar a roda. Sem plano europeu para reagir à vaga migratória e de refugiados que já se anuncia, olhemos, com humildade, para o que de melhor se faz mundo fora. Também aqui não estamos sozinhos, mas nanos gigantum humeris insidentes.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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