Quero conversar com Umaro Sissoco!

É importante que se respeitem as regras e Umaro Sissoco deve ser o primeiro a fazer esta exigência. Só respeitando às regras é que podemos exigir aos outros que façam o mesmo.

Tirei muito tempo da última noite para pensar sobre a presente e imprevisível crise política pós-eleitoral, e apesar da complexidade da realidade, tendo em conta que ela (a crise) está longe de terminar, já tirei as primeiras conclusões que, embora ‘não precipitadas’, estão cheias incertezas.

Desde logo concluí que as acções de Umaro Sissoco em implementação não são genuínas, ao mesmo tempo que me convidei a mim mesmo para um compasso de espera para tirar a verdadeira conclusão quando estas águas turvas desaparecerem.

Não acredito que, Umaro Sissoco tenha concebido um plano que afronta claramente a democracia, porque não é feliz ser Presidente da República quando o caminho percorrido deixa rastos de incontáveis irregularidades democráticas. Se não aceito, acredito que Umaro Sissoco também não.

Por isso, analisando a presente realidade, acredito em muita coisa. Acredito que existe um grupo de pessoas bem identificadas, com um plano bem definido que está a aproveitar-se da audácia e de uma eventual capacidade de confrontação de Umaro Sissoco Embaló para concretizar os seus objectivos contra certas pessoas e certas figuras.

Acredito nisto e acredito religiosamente na inocência de Umaro Sissoco.

Não é normal na democracia os cenários que estamos a viver se não existirem segundas intenções. E, desde já, o próprio Umaro Sissoco Embaló deve parar e pensar. Nada justifica a meu ver, o que está a acontecer.

Se reconhecemos ao Domingos Simões Pereira (DSP) o direito da reivindicação, porque faz parte da democracia e consta mesmo na lei, podemos, como humanos, reconhecer ao Umaro Sissoco o direito à indignação pelo desgaste que a resistência está a provocar, não só nele, mas em todos nós. Mas Umaro Sissoco não pode, em nome da indignação, se sobrepor a todas as normas e regras que regem o funcionamento da democracia.

O uso da força, não é democrático. E quando actua assim, nós que outrora defendemos o primado da lei, temos a obrigação de aparecer em público para dizer não e ao mesmo tempo alertar: a democracia é a aplicação e o respeito da lei. Não é o uso de força e muito menos a demonstração de eficiência das estratégias.

O que está a acontecer neste momento na Guiné-Bissau não é democracia. É a demonstração da força, é a prova de quem tem estratégias mais eficientes. E, neste particular, por mais que se possa ser contra, temos a obrigação de reconhecer o mérito a Umaro Sissoco Embaló.

Desde que decidiu entrar nesta corrida presidencial, Umaro Sissoco foi o mais eficiente de todos, em todos os sentidos, começando pelo Madem, partido que o suportou. Quando no partido, a maioria não o quis, utilizou as suas estratégias e venceu as primárias.

Na primeira volta, conseguiu inclusive encostar o Governo de Aristides Gomes às cordas – destronou os verdadeiros favoritos (Carlos Gomes Jr. e José Mário Vaz) e só viu DSP barrar-lhe o caminho.

Quando entrou para a segunda volta foi ainda mais estratégico e sempre com passos seguros. Conseguiu juntar forças e apoios que o mais optimista analista não previa. Recusou enfrentar DSP em debates públicos (onde a diferença oratória e de visão são abismais) e quando aceitou, impôs as suas regras.

Manteve o Governo nas cordas e está ainda bem fresco na memória coisas que disse na campanha eleitoral, com particularidade para o discurso de Buba e o aviso sobre o seu material retido em São Domingos.

Vigiou e asfixiou a Comissão Nacional de Eleições, ao ponto de vazar o áudio da preparação de uma suposta fraude eleitoral a favor de DSP, que agora o seu adversário reclama.

A isto chamamos estratégias e foram eficientes, porque os seus adversários não estiveram à altura. Isto é de reconhecer a Umaro Sissoco e foi utilizado em momento oportuno, embora ferindo certas regras.

Só com estratégias bem pensadas (podem até não ser boas) se consegue juntar no mesmo lado da barricada, tendo em conta o passado conflituoso entre eles, Botche Candé com Braima Camará; José Mário Vaz com António Injai; Carlos Gomes Jr. com Adja Satú Camará; PRS com Carlos Gomes Jr; Nuno Nabiam com Umaro Sissoco; António Injai com Mamadú N’Krumah, entre muitas surpresas na aliança actual liderada por Umaro Sissoco.

Tudo isso era aceitável, porque o momento era de pré-luto e na congregação de forças de apoio, os termos de referência são abstratos, pelo que cada um selecciona aleatoriamente os seus lutadores.

Mas onde as regras são claramente definidas, como é o caso da democracia, já se torna difícil, senão mesmo inaceitável, compactuar com certos métodos, estratégias e atitudes, por serem antidemocráticas. Como esta atitude ou estratégia de utilizar militares, ou talvez deixar os militares utilizarem o nome de Umaro Sissoco para instalar o terror – confesso que estou confuso, se for a estratégia de Umaro Sissoco, eu não subscrevo. Aliás, ninguém deve subscrever.

É triste ver actores democráticos a entrarem em delírio com o que está a acontecer, só porque acham que DSP e o Governo são as únicas vítimas. A vítima da actualidade é o sistema e as regras democráticas.

E acho que o próprio Umaro Sissoco não devia concordar ou proceder assim, porque se os outros adoptassem os mesmos métodos e as mesmas estratégias, ele não estaria a aspirar ao posto onde está ou pretende estar. É importante que se respeitem as regras e Umaro Sissoco deve ser o primeiro a fazer esta exigência. Só respeitando às regras é que podemos exigir aos outros que façam o mesmo.

Umaro Sissoco pode “legitimamente” sentir-se desgastado com o contencioso eleitoral, continuar a pensar que foi o vencedor das eleições, mas não pode nunca ignorar por completo, como está a ser o caso, as instituições democraticamente encarregues de resolver os litígios. O Supremo Tribunal de Justiça neste caso. Não pode ignorar a Assembleia Nacional Popular, a casa da democracia, ao ponto de aceitar investidura nos moldes em que aconteceu.

Umaro Sissoco tem toda a liberdade de pensar que foi o vencedor das eleições, como seguramente o DSP pensa o mesmo, mas nenhum deles pode começar a usufruir dos poderes que o lugar a que concorreu garante enquanto não existir uma decisão final das instituições competentes para dirimir os conflitos.

Umaro Sissoco pode ter facilidade de se relacionar com alguns militares ou foi “outra vez” mais estratégico para os conquistar, mas não deve permitir que os mesmos instalem o terror no país em nome de apoio ao seu mandato.

Não só o próprio Umaro Sissoco ficará sem controlo depois, como já está a ficar sem capacidade de gestão, porque não é democrático. Porque há muita confusão e muitos aproveitamentos. Ninguém consegue encontrar o enquadramento legal para a sua investidura ou os seus decretos, sobretudo a nomeação de Nuno Nabiam como primeiro-ministro.

Umaro Sissoco deve perceber que existem muitos interesses instalados, que vêem nele um desbravador de caminhos. E quando, em nome da indignação ou do desgaste, ele aceita apoio dos mesmos, será legítimo que o usem para atingir os seus fins.

O que aconteceu na Guiné-Bissau de 27 de Fevereiro até à data presente não é democracia. É demonstração de força. Ocupar instituições públicas, até judiciais, podem ser justificadas, mas jamais serão compreendidas. E para Umaro Sissoco, se um dia a sua presidência for validada, será um mau começo.

Quem acompanha de perto a política guineense, vê nas acções em curso em nome de Umaro Sissoco os dedos (os métodos e as estratégias) daqueles que outrora se opuseram a Nino Vieira, a Kumba Ialá, a Malam Bacai Sanhá, a Carlos Gomes Jr., a Serifo Nhamadjo e a José Mário Vaz. O que existe de comum nestas estratégias e métodos, é o erro. Podem até ser eficientes, mas não são democráticos.

Chefe de redacção do jornal guineense Última Hora

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