Os perigos de uma Assembleia tribal

Ninguém fica bem na fotografia, mas quem fica pior são os partidos que pelo seu poder de representação e por tradição sempre foram capazes de promover consensos mínimos para garantir, por exemplo, nomeações para outras esferas do Estado

A Assembleia da República dedicou parte da sua agenda desta sexta-feira a sublinhar a sua nova vocação para o tribalismo e a zaragata verbal. Uma parte da série teve episódios que acabaram bem – caso da não eleição de Vitalino Canas. Outra parte acabou como prova de que, no actual parlamento, há um particular empenho em chumbar liminarmente tudo o que venha do adversário. E não, o que esteve em causa nessa história sobre falta de abertura para compromissos não foram nem naturais divergências democráticas, nem temas insusceptíveis de negociação.

Os deputados recusaram validar o nome de Correia de Campos para o Conselho Económico e Social (CES) e recusaram aprovar uma lista de vogais e substitutos para o Conselho Superior de Magistratura (CSM) sem que se percebam as razões políticas que os motivaram – o que não aconteceu com o chumbo de Vitalino Canas. Ninguém fica bem na fotografia, mas quem fica pior são os partidos que pelo seu poder de representação e por tradição sempre foram capazes de promover consensos mínimos para garantir, por exemplo, nomeações para outras esferas do Estado.

No caso da eleição de Vitalino Canas para o Tribunal Constitucional, o problema estava num erro de origem: o de querer indicar para um órgão de soberania com a relevância do Constitucional um jurista amarrado à história do PS, até aquela que pouco se recomenda. O chumbo de Vitalino Canas e de António Clemente de Lima começa com a pressão da imprensa, avoluma-se em nome da transparência e da isenção e consuma-se com o reconhecimento de um erro quando se sabe que nem todos os deputados do PS validaram a escolha. Esperemos que sirva de lição: o país precisa de separação efectiva de poderes e o PS tem de deixar de acreditar que tudo tem de gravitar à sua volta.

Mais difícil de entender é o que se passou com o CES ou o CSM. No primeiro caso, desconhecem-se razões de fundo que impeçam um acordo para a reeleição de Correia de Campos – um homem sério, empenhado e competente. No segundo, não se entende como uma lista subscrita pelo PS e pelo PSD não consegue sequer receber os votos dos dois partidos. Ao contrário do caso Canas, nestas duas histórias exigia-se que o PSD cumprisse as promessas de Rui Rio em nome dos consensos que favorecem o interesse nacional. Ficámos longe dessa apologia e perto de um quadro em que a politiquice se sobrepôs à política. E pelo que temos visto até aqui, não é de esperar que a situação melhore.

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