Indústria do cinema também já se ressente do coronavírus

Salas de cinema fechadas, cidades sob cordão sanitário, potenciais espectadores impedidos de se deslocarem: a indústria do cinema começa a ressentir-se da propagação do SARS-CoV-2.

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Tom Cruise continua a ser o protagonista da saga Missão Impossível DR

O novo coronavírus SARS-CoV-2​, que já provocou na China mais de 2850 mortos e infectou mais de 83 mil pessoas em todo o mundo — das quais mais de 36 mil recuperaram —, chegou à indústria do cinema: as rodagens do sétimo filme da série Missão Impossível, previstas para se estenderem ao longo de três semanas em Veneza, foram suspensas no início desta semana. Na segunda-feira, dia 24 de Fevereiro, Itália passou a ser o quarto país do mundo em nível de contágios do novo coronavírus e o Governo italiano estabeleceu um cordão sanitário em torno de 11 cidades.

“Por precaução e em nome do bem-estar dos actores e demais equipa técnica, e apesar das autoridades de Veneza envidarem todos os esforços para conter a propagação do vírus, vamos alterar os nossos planos”, lê-se no comunicado emitido pela Paramount Pictures, alertando que continuarão “a monitorizar a evolução da situação”.

A China representa o segundo maior mercado de espectadores de cinema, a seguir ao norte-americano — em 2019, e de acordo com um estudo do Observatório Europeu do Audiovisual, tornou-se mesmo no mercado mais apetecível para exportação do cinema europeu, superando os Estados Unidos.

A indústria começa agora a reagir: a Paramount, além de ter suspendido a rodagem de Missão Impossível VII, anunciou também que iria suspender, por tempo ilimitado, a estreia na China de Sonic the Hedgehog, a adaptação ao cinema do popular videojogo da Sega dos anos 1990 e um sucesso de bilheteira. Também as estreias de As Aventuras de Dr. Dolittle, 1917, Jojo Rabbit e Mulherzinhas foram suspensas e a tour promocional do novo James Bond No Time to Die, prevista para Abril, foi cancelada.

Richard Gelfond, CEO da gigante das salas multiplex IMAX, disse na apresentação do último relatório de contas que “a empresa enfrenta sérios reveses na China causados pelo coronavírus”, sinónimo de “um começo de 2020 muito difícil”. “Apesar de o coronavírus ser um desafio a curto prazo, que vai ser ultrapassado, não podemos deixar de encarar a situação como rara e que sai fora da norma”, acrescentou.

Um analista contactado pelo The Washington Post, e que preferiu o anonimato, disse que a situação provocada pelo coronavírus trouxe “uma grande confusão” à indústria de cinema em parte pela ausência de antecedentes. “Nunca vimos nada assim, e não sabemos por quanto tempo se irá prolongar. A China representa actualmente uma fatia muito maior das receitas de bilheteira mundiais do que quando se deu a crise com a SARS [Síndrome Respiratório Agudo Severo, que entre Novembro de 2002 e Julho de 2003 matou 774 pessoas em todo o mundo]”.

Antes da divulgação dos primeiros casos de infecção na China, e de acordo com o especialista Eric Wold, do banco de investimento B. Riley FBR, a China estava na dianteira como principal mercado de exibição cinematográfica para 2020, estimando que ultrapassasse os Estados Unidos. Ainda antes das celebrações do Ano Novo chinês, de 24 para 25 de Janeiro, o país começou a encerrar salas de cinema numa data que, historicamente, regista grande afluência aos cinemas. A Hollywood Reporter escreveu que “nas três semanas que se seguiram ao encerramento de várias salas de cinema, as receitas de bilheteira perfizeram 3,9 milhões de dólares por comparação com os 1,52 milhares de milhão da mesma época no ano anterior”.

Para os estúdios, as saídas são reduzidas e as opções afiguram-se algo complexas: um filme pode até chegar ao circuito comercial num país que deixou de se deslocar à sala de cinema (mas, a maioria nem chega); ou podem adiar a estreia do filme na esperança de que, de acordo com as restritivas leis chinesas para filmes importados, venha, de facto, a ser visto na China — Peter Schloss, CEO do CastleHill Partners, banco de investimento na indústria de entretenimento sediado em Pequim, disse à Hollywood Reporter que “o mais provável é que, nesta recalendarização, os filmes importados venham a ser preteridos porque é expectável que a prioridade vá para os títulos feitos na China”. Como também referiu o especialista Eric Wold, mesmo que o filme venha a ser comercializado na China, há que contar que os espectadores ainda não se sintam confortáveis em sair de casa para ir ao cinema. Os estúdios podem, ainda, colocar o filme directamente nas plataformas de streaming, sabendo de antemão que não irão recuperar o investimento, o que por si só “já é um mau precedente”.

Mesmo assim, analistas do sector mostram-se confiantes em que a situação se resolverá sem grande perturbação para os grandes estúdios. O que poderá ser devastador é se a propagação do coronavírus afectar drasticamente o mercado interno nos Estados Unidos, mantendo as pessoas sequestradas dentro de portas. “O grande risco que corremos é se também o nosso mercado interno se começar a ressentir com o encerramento de salas de cinema, como estamos a ver acontecer noutros países. Será que vamos chegar ao ponto em que se fecham, de facto, salas e os consumidores até se retraem de ir a locais com muita gente?” As perguntas é Wold quem as faz, lembrando que os mercados financeiros globais continuam a sentir os efeitos da contaminação global pelo coronavírus.  

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