Eutanásia, um erro civilizacional de proporções absurdas

É extraordinário, no mínimo, que se mostrem os deputados da Nação tão apressados em assumir esse erro colossal, facto bastante revelador do deserto de ideias dos representantes do povo. Vivemos hoje uma espécie de totalitarismo do politicamente aceitável, ainda que apenas, e tão somente, nos corredores do Palácio de S. Bento.

A roupagem de dignidade que se pretende dar a esta decisão mais não é do que indiferença. Indiferença pela pessoa que sofre e a qual nos revelámos incapazes de trazer de volta à vida. Tratar dos idosos ou daqueles que sofrem o jugo da imobilidade ou da dor do isolamento deveria ser, muito mais do que uma obrigação, uma devoção de todos nós. Até porque todos caminhamos na mesma direcção, e o que hoje nos apresentam como opção virá confrontar-nos amanhã, estejamos ou não na inteira dependência de terceiros.

A escolha fácil de uma solução terminal, sem preocupação pelo facto de que a pessoa em causa esteja coagida, desta ou daquela forma, a optar por essa solução, revela a pior das nossas facetas: a indiferença. Revela que nos tornámos desapaixonados pela vida. Revela que nos abandonou a característica mais importante de sermos humanos, que é a compaixão. Revela ainda que caminhamos a passos largos para um mundo mais individualista, que nos isolamos na multiplicidade de afazeres do dia-a-dia e não prestamos atenção ao que de importante se passa à nossa volta. Revela, enfim, que falhámos! Falhámos como cidadãos, como família e como pessoa humana. E revela um clamoroso falhanço da sociedade como um todo.

“O único pecado que merece ser tratado como tal é o sofrimento humano.” A frase, que ouvi de alguém que aprendi a respeitar pela clareza de ideias e de discurso, lembra-me diariamente que não devemos sofrer. Nem deixar sofrer. Um doente acamado ou uma pessoa no fim do percurso sofre não apenas fisicamente mas, principalmente, por isolamento ou abandono. Afastamo-nos muitas vezes por não sabermos lidar com esse aspecto da vida que é a morte, mas quando o fazemos demitimo-nos da nossa compaixão e da nossa capacidade de trazer alguém de volta à vida. Frequentemente, alguém que nos amou, que nos educou, que nos acarinhou, que nos embalou com paixão, ou como parte assumida das suas responsabilidades e da sua própria humanidade. É este o erro grave dos nossos dias, no que a estas pessoas diz respeito. E não a impossibilidade de lhes oferecermos uma não-solução, destituída de qualquer dignidade humana e que apenas se apressa a retirar-lhes a delas.

Aceitar este falhanço e a tendência progressiva de individualismo e indiferença da sociedade contemporânea não nos torna melhores em nada. Ao contrário, demite-nos da responsabilidade de assumirmos o nosso desígnio de pessoa humana e aumenta o nosso desapego à vida e à compaixão. Estamos, por isso, a um passo de assumir um erro grave e um fracasso da sociedade como um todo, branqueando-o na nossa consciência com um rótulo indigno de “direito de escolha”, num retrocesso singular de princípios e valores com mais de 150 anos. Este erro não corrige, nem pode, o erro do nosso desinteresse, porque não se corrige um por aposição de um outro.

É extraordinário, no mínimo, que se mostrem os deputados da Nação tão apressados em assumir esse erro colossal, facto bastante revelador do deserto de ideias dos representantes do povo. Vivemos hoje uma espécie de totalitarismo do politicamente aceitável, ainda que apenas, e tão somente, nos corredores do Palácio de S. Bento. Estou certo de que nenhum cidadão eleitor, no pleno gozo das suas capacidades intelectuais, considerará um deputado mais apto do que ele próprio para decidir sobre tais questões.

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