Eutanásia aprovada: os passos seguintes

Os próximos meses ainda serão centrados no Parlamento, com o processo de especialidade, mas os olhares já se começam a desviar para o Palácio de Belém.

A votação é inequívoca e sem margem para dúvidas. As cinco iniciativas para despenalizar a morte assistida foram aprovadas por larga margem. O Parlamento decidiu de forma informada e consciente, dando um passo para a conclusão da discussão que já leva mais de duas décadas de existência no nosso país. Felizmente, o debate foi elevado e sereno, o que me parece sintoma quer de uma democracia madura, quer de uma opinião amadurecida sobre o tema.

Os próximos meses ainda serão centrados no Parlamento, com o processo de especialidade, mas os olhares já se começam a desviar para o Palácio de Belém. O que fará Marcelo Rebelo de Sousa com a previsível aprovação da Lei até ao final do primeiro semestre? Começam a surgir as opiniões mais diversas.

Quais são as reais opções do Presidente da República? É conhecida a sua opinião contrária à eutanásia, há várias declarações onde isso fica claro, mas Marcelo Rebelo de Sousa prometeu que nunca usaria o veto político em função apenas das suas convicções pessoais. Que outras ideias poderia usar para justificar esse fim? Vejamos os argumentos esgrimidos para ver se algum se adapta a este propósito.

Há quem diga que faltou debate, mas este argumento não colhe. Por um lado, porque foi o próprio Presidente da República quem reconheceu em 2018, que este tema teve “um debate muito participado por todos os quadrantes político-partidários, religiosos, sociais”. O que era verdade há dois anos não deixou de ser entretanto. O uso deste argumento significaria uma cambalhota injustificável.

Outros afirmam que não se pode decidir sobre a eutanásia no Parlamento, porque os deputados foram eleitos sem este tema nos seus programas eleitorais. Mais um argumento que o Presidente da República não pode utilizar, dado o Bloco de Esquerda e o PAN tinham essa proposta no programa eleitoral e o PS tomou publicamente a sua posição sobre a matéria num congresso partidário em 2016. Ninguém foi apanhado desprevenido, não foi nenhuma surpresa. Também podemos riscar este argumento da lista das justificações possíveis.

“E o referendo?” - se alguém fizer esta pergunta é desmascarado pelas palavras dos proponentes. Não colhe a mudança de opinião de responsáveis da Igreja Católica que diziam que “vida não é referendável” e agora defendem o referendo. Todos percebemos que esta proposta é apenas uma tentativa de ganhar tempo na secretaria para ver se impedem a aprovação inevitável da eutanásia. Aliás, querem melhor exemplo que o texto de ontem de João Miguel Tavares onde, para lançar a confusão, propunha na 25.ª hora uma nova forma de eutanásia e o seu referendo? É conversa sem conteúdo. Não pode ser levada a sério pelo Presidente da República sob pena de cair no ridículo.

Mesmo assim, e se, contra tudo e todos, contra a coerência das suas posições e contra as suas promessas o Presidente da República vetar politicamente a lei? A resposta é simples e não requer grande imaginação: terá de haver uma maioria de deputados e deputadas na Assembleia da República para reafirmar a lei, ficando depois o Presidente da República obrigado a promulgar o diploma no prazo de oito dias a contar da sua receção. Para isso, basta que os mesmos deputados que votaram favoravelmente no dia de ontem, repitam essa votação. Não tenho nenhuma bola de cristal, mas parece-me que o Presidente não cairá nessa asneira, entrando fragilizado na campanha eleitoral para as próximas presidenciais.

E o envio para o Tribunal Constitucional (TC)? Pode acontecer, mas é uma escolha precária para quem quer travar e lei. O atual presidente do TC, Costa Andrade, já defendeu “isto não é um problema constitucional”, afirmando a opinião que “qualquer das soluções é constitucional, tanto a admissão da eutanásia como a negação”.

Então, devemos fazer algo para garantir a lei da eutanásia? Sim: acompanhar e participar nos trabalhos que o Parlamento levará a cabo nos próximos meses, assegurando que o que foi aprovado não é desvirtuado e a maioria de votos se mantém. Reafirmando o que parece agora óbvio: há uma maioria no país que perante alguém que diz: “Por favor, ajudem-me, deixem-me partir” lhe responde com humanidade e compaixão. Foi essa resposta que dei com o meu voto favorável à despenalização da morte assistida.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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