As mulheres na Ciência: o que já conquistámos e o que temos pela frente

Presentemente, serem investigadoras é quase sempre sinónimo de uma outra coisa: serem precárias. É isso que estamos a oferecer a todas as pessoas que escolhem o rumo da investigação no nosso país.

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No passado dia 11, festejamos o Dia Internacional das Mulheres na Ciência. Ser mulher na Ciência não significa hoje o que significava no passado. Longe vão tempos como os da neurocientista Marian Diamond, que contribuiu para que, nos dias que correm, sabermos que o cérebro tem plasticidade, mudando com as nossas experiências e ambiente, e que viu o seu contributo para esta descoberta ser diminuído a um simples parêntesis no artigo. Isto porque os seus colegas achariam que o artigo teria menos oportunidades se tivesse sido feito por uma mulher. Só com contestação conseguiu ver o seu papel reconhecido. E quem fala de Marian Diamond, não esquece a bioquímica Kathleen Lathbury, responsável por supervisionar a produção de insulina, que viu o seu nome nos trabalhos ser reduzido a K. Lathbury para disfarçar o seu género.

Actualmente, em Portugal, segundo o relatório She Figures da Comissão Europeia, 53,5% da população doutorada são mulheres e, a par disso, o sexo feminino já representa quase 60% das contratações para actividades científicas. Mas, se antes, ser mulher na Ciência significava o silenciamento e a falta de oportunidades, o que significa actualmente? Que presente e futuro existem para as mulheres na Ciência? Presentemente, serem investigadoras é quase sempre sinónimo de uma outra coisa: serem precárias. É isso que estamos a oferecer a todas as pessoas que escolhem o rumo da investigação no nosso país. E num mundo onde as mulheres já são tão prejudicadas em imensas esferas da sua vida, a sua escolha profissional, ao invés de as emancipar, é apenas o outro lado da mesma moeda. E é justamente aí que o discurso sobre o papel da Ciência, os direitos laborais e a desigualdade de género estão bem desafinados. A mesma actividade profissional que se quer à frente do seu tempo — cutting-edge (utilizando o anglicismo) — tem como condições laborais dignas do século passado.

Segundo o Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica, “os contratos de bolsa não geram relações de natureza jurídico-laboral nem de prestação de serviços, não adquirindo o bolseiro a qualidade de trabalhador em funções públicas.” Significa isto que as bolseiras estão sempre numa indefinição jurídica, não sendo nunca identificadas como trabalhadoras. O salário não existe, foi transformado em “subsídio de manutenção”, que acaba a qualquer momento, basta, para isso, ficar doente, estar responsável por menores, ter de assistir a pessoas com incapacidade, mesmo sendo família directa. Infelizmente, vivemos num mundo onde as mulheres representam a maior percentagem de cuidadoras. A Ciência como escolha profissional é para estas mulheres, outra vez, uma dupla penalização.

A todas as mulheres investigadoras que têm o sonho de serem mães, as coisas estão um pouquinho mais fáceis. No entanto, é importante relembrar que só a partir de 2014 as bolseiras passaram a ter acesso a licença parental. Conhecendo os números que apontam para o facto da maior percentagem do tempo da licença parental ser utilizado pela mulher, sabemos que existem instituições de ensino superior e centros de investigação que não suspendem o pagamento das propinas durante esse período, obrigando as mulheres a pagar esta taxa durante o período que usufruem junto do seu filho, por direito legal.

Dizem-nos que estamos ainda em formação. E é verdade. Na Ciência, como noutras áreas profissionais, estamos constantemente a aprender. E isso é bom. O que não pode é servir como desculpa para nos pagarem menos, para não termos acesso a direitos básicos como segurança social, férias pagas ou baixa médica. Não deveria servir como desculpa para passarem meses sem nos pagarem quando começamos uma bolsa, nem deveria servir para ficarmos completamente desprotegidos na reforma, que sabemos ser uma miragem.

Infelizmente, isto não é um apenas um problema português. Segundo dados de um inquérito da Young Academy of Europe Members realizado em vários países, 76% das investigadoras responderam que passavam mais de 41 horas por semana no laboratório, sendo a resposta de 60 horas semanais assustadoramente frequente. Fazem-no com a constante esperança de um dia conseguirem um contrato digno, como se de uma travessia no deserto se tratasse.

Apesar de, indica o mesmo relatório da Comissão Europeia, actualmente, as mulheres representarem 60% do número de investigadores, esta percentagem esconde outros dados relevantes. Ocupam apenas 30% dos cargos de direcção nas instituições de ensino superior e são 26% dos professores catedráticos e investigadores no topo da carreira. Estes números são o espelho de que, que apesar de termos muitas mulheres, elas estão quase toda presas no início da carreira, onde há maior insegurança, maior precariedade e salários mais baixos. Dos 15 reitores das universidades portuguesas, apenas quatro são mulheres. Isto da uma percentagem de 26%, bastante contrastante com os 60% de presença das mulheres nas universidades.

O número de mulheres na Ciência tem vindo a aumentar já desde 1970. No entanto, uma simples pesquisa por Prémios Nobel desanima qualquer pessoa. Desde o início da sua atribuição, apenas três mulheres receberam o Nobel. São elas Marie Curie (1903), Maria Goeppert-Mayer (1963) e Donna Strickland (2018). O debate sobre o papel da mulher na Ciência não está terminado. Assumir os espaços de decisão é um passo que ainda não foi dado. Mas é preciso fazê-lo: em nome de uma academia mais igual e de um sistema científico mais plural.

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