Preparar a soberania tecnológica da Europa

A transição digital da Europa deve proteger e capacitar os cidadãos, as empresas e a sociedade em geral. Tem de servir as pessoas, para que sintam os benefícios da tecnologia nas suas vidas.

Sou e sempre fui otimista no que toca à evolução tecnológica. Desde os meus tempos de estudante de medicina que acredito na tecnologia como força para o bem comum. Aprendi e vi em primeira mão a sua capacidade para mudar destinos, salvar vidas e vulgarizar o que noutros tempos teria sido um milagre.

Hoje em dia, achamos normal tomar um antibiótico quando temos uma infeção ou fazer uma radiografia ou uma ressonância magnética quando nos magoamos ou estamos doentes. Todas estas descobertas científicas alteraram o rumo da humanidade para melhor.

Graças à tecnologia, os resultados desta evolução estão a tornar-se cada vez mais surpreendentes e frequentes. Ajudam a detetar o cancro, assistem cirurgias de alta precisão ou adaptam tratamentos às necessidades de cada doente.

Tudo isto está a acontecer aqui e agora, na Europa. Mas o meu desejo é que seja apenas o início e que passe a ser a norma na nossa sociedade: da agricultura à finança, da cultura à construção, da ação climática ao combate ao terrorismo.

Esta é a visão que preside à nova estratégia digital que a Comissão Europeia apresenta esta semana.

Acreditamos que a transformação digital pode dar um impulso à nossa economia e ajudar-nos a encontrar soluções europeias para os desafios globais. Acreditamos que os cidadãos deveriam estar capacitados para tomarem melhores decisões com base em informações que não tenham origem em dados pessoais. E queremos que os dados sejam acessíveis por todos. A sociedade no seu conjunto tirará assim o máximo partido da inovação e da concorrência e a garantir-se-á que todos beneficiamos de um dividendo digital. Esta Europa digital deve refletir o melhor da Europa — aberta, justa, diversa, democrática e confiante.

A envergadura da nossa estratégia reflete a dimensão e a natureza da transição que temos pela frente. Abrange todos os aspetos: da cibersegurança às infraestruturas críticas, da educação às competências digitais, da democracia aos meios de comunicação social. E cumpre os preceitos do Pacto Ecológico Europeu, por exemplo ao promover a neutralidade climática dos centros de dados até 2030.

Todavia, a transformação digital não pode ser deixada ao acaso. Temos de garantir que os nossos direitos, a nossa privacidade e a nossa segurança são os mesmos em linha e fora de linha. Cada um de nós tem de deter o controlo da sua própria vida e do que acontece aos seus dados pessoais e tem de poder confiar na tecnologia. É preciso assegurar que as novas tecnologias não trazem consigo novos valores.

Sei bem que muitos ainda não confiam na tecnologia e menos ainda nos que a detêm. Vejo como esta confiança pode ser destruída quando as grandes plataformas em linha utilizam os dados dos seus clientes de uma forma que não devem. Ou quando a desinformação aniquila o jornalismo responsável e os sensacionalismos “caça-cliques” são mais importantes do que a verdade.

Compreendo e respeito que algumas pessoas se declarem céticas em relação à tecnologia, que duvidem dela ou mesmo que sejam pessimistas. É por isso que creio que precisamos de uma transição digital que seja europeia na sua conceção e natureza, que reforce a confiança existente ou que a construa se estiver desgastada. Neste contexto, os grandes operadores digitais comerciais devem assumir a sua responsabilidade, por exemplo permitindo que os europeus tenham acesso aos dados recolhidos. A transição digital da Europa não diz respeito aos lucros de uns poucos, mas sim às perspetivas e oportunidades da maioria. Para tal, pode também ser necessário adotar legislação.

A questão essencial é que a transição digital da Europa deve proteger e capacitar os cidadãos, as empresas e a sociedade em geral. Tem de servir as pessoas, para que sintam os benefícios da tecnologia nas suas vidas. Para que tal aconteça, a Europa precisa de ter a sua própria capacidade digital — em computação quântica, 5G, cibersegurança ou inteligência artificial. Estas são algumas das tecnologias que identificámos como áreas de investimento estratégico, para as quais o financiamento da União Europeia poderá mobilizar fundos nacionais e do setor privado.

Tirar o máximo partido da evolução digital e dos dados é tão importante para as grandes empresas como para as PME. Embora as maiores ideias provenham muitas vezes das empresas mais pequenas, a expansão pode ser uma tarefa árdua para as start-ups europeias no mundo digital. Queremos que os jovens empreendedores portugueses tenham as mesmas oportunidades que os seus homólogos de Silicon Valley para expandir os seus negócios e atrair investimentos.

Precisamos para isso de superar a fragmentação do nosso mercado único, que por vezes é maior quando falamos das tecnologias digitais. Temos de unir forças, potenciando a nossa dimensão e diversidade — fatores essenciais ao êxito da inovação.

Também carecemos dos recursos que correspondam à nossa ambição. Por isso, no Conselho Europeu desta semana, luto por um orçamento da UE moderno e flexível que invista no nosso futuro — e na investigação, inovação e desenvolvimento das competências necessárias para fazer disto uma realidade.

Se quisermos que a Europa seja líder nos campos com maior potencial, como os dados e a inteligência artificial, tudo isto é importante. Esta semana, apresentamos os nossos planos nestes domínios, bem como para a estratégia digital em geral.

O ponto de partida no que se refere aos dados será sempre a proteção dos dados pessoais. A Europa já tem as regras mais rigorosas do mundo e vamos dar agora aos europeus os instrumentos de que necessitam para garantir um controlo ainda maior.

Porém, há dados de outro tipo que são a mina de ouro ainda por explorar da futura economia agilizada pelos dados. Estou a pensar em dados de mobilidade anonimizados ou em dados meteorológicos recolhidos por aviões, imagens de satélite, mas também dados industriais e comerciais de todos os tipos, desde o desempenho de motores ao consumo de energia.

Estes dados não pessoais podem estar na base do desenvolvimento de novos produtos e serviços, mais eficientes e mais sustentáveis. E podem ser reproduzidos praticamente sem custos. Atualmente, 85% das informações que produzimos não são utilizadas. Isto tem de mudar.

Desenvolveremos um quadro legislativo e normas de funcionamento para os espaços de dados europeus. As empresas, os governos e os investigadores poderão armazenar os seus dados e aceder a dados partilhados fiáveis. Tudo isto será feito em condições seguras que criem valor e garantam um retorno justo para todos.

Por sua vez, estes conjuntos de dados impulsionarão o nosso trabalho para promover na Europa a excelência e a confiança na inteligência artificial, que já está a ajudar as pequenas empresas a reduzir a sua fatura energética, a permitir transportes ecológicos automatizados e a realizar diagnósticos médicos mais rigorosos.

Para ajudar as empresas a aproveitar o potencial da inteligência artificial, investiremos numa rede de polos de inovação digital e em centros de excelência de investigação e educação avançadas.

Ao mesmo tempo, asseguraremos que a inteligência artificial seja justa e respeite os elevados padrões da UE. O nosso compromisso para com a segurança, a privacidade e a igualdade de tratamento no local de trabalho deve ser honrado, num mundo onde os algoritmos influenciam as decisões. Concentraremos a nossa ação nas aplicações de alto risco que possam afetar a nossa saúde ou que influenciem decisões importantes.

O objetivo não é mais regulamentação, mas salvaguardas práticas, responsabilização e possibilidade de intervenção humana em caso de perigo ou de litígios. Construímos com êxito outras indústrias, e vamos agora aplicar a mesma lógica e as mesmas normas na nova economia agilizada por dados.

Resumirei tudo o que disse com uma expressão: “soberania tecnológica”. Descreve a capacidade que a Europa deve ter para fazer as suas próprias escolhas, com base nos seus próprios valores, respeitando as suas próprias regras. Tudo isto ajudará a fazer de nós todos otimistas tecnológicos.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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