Campanha nacionalista agressiva em Deli não evitou derrota estrondosa do partido de Modi

AAP conquistou 62 dos 70 lugares do parlamento da capital da Índia, renovando a sua tradicional mensagem anticorrupção e pró-Estado social. Discurso identitário do BJP não somou grandes apoios.

Nova Delhi
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Apoiantes do AAP celebram vitória de Arvind Kejriwal EPA/RAJAT GUPTA
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Arvind Kejriwal, ao centro, voltou a vencer as eleições na capital EPA/RAJAT GUPTA

O domínio absoluto do partido Bharatiya Janata (BJP), do primeiro-ministro, Narendra Modi, no plano nacional, não está a ter a mesma ressonância a nível estadual, particularmente na capital da Índia. Após uma das campanhas mais agressivas e polarizadas do passado recente em Deli, em que o BJP apostou forte no discurso identitário e nacionalista hindu, o partido Aam Aadmi (AAP) voltou a esmagar toda a concorrência nas eleições de sábado, conquistando 62 dos 70 lugares do parlamento.

Mesmo sabendo que seria difícil contrariar o favoritismo do AAP e do carismático líder do executivo de Deli, Arvind Kejriwal – que em 2015 já tinha vencido a contenda de forma incontestável –, o BJP procurou apoios trazendo para a campanha a polémica alteração da lei da cidadania, que discrimina minorias muçulmanas, e que tem gerado amplos protestos por toda a Índia nos últimos meses – incluindo em Deli.

A legislação em causa permite a atribuição de cidadania indiana a imigrantes ilegais de seis minorias religiosas no Paquistão, Afeganistão e Bangladesh, como os hindus e os cristãos, por serem considerados vítimas de perseguição nos países de origem. De fora ficam os muçulmanos que vivem na Índia, sem documentos, e outros muçulmanos de minorias perseguidas na região, como os ahmadis no Paquistão ou os rohingyas na Birmânia.

Vários ministros do Governo de Modi marcaram presença na campanha do BJP, criticando o apoio do AAP e de Kejriwal, um hindu, ao “terrorismo islamista”, e apelando aos eleitores da capital para “dispararem sobre os traidores”.

Mas a bandeira identitária não trouxe grandes ganhos ao partido de Modi, que em Maio do ano passado conseguiu uma vitória em toda a linha nas legislativas nacionais, mas que nestas eleições de Deli se ficou pelos oito deputados – tinha três e aspirava aos 48 – numa cidade com 20 milhões de habitantes.

“Este resultado é extremamente importante porque assinala uma derrota das políticas de polarização e de divisão que o BJP desencadeou”, declarou Zoya Hassan, analista político da Universidade Jawaharlal Nehru, à Al-Jazira.

“Esta foi provavelmente a eleição com mais discurso de ódio da história eleitoral da Índia. Mas o eleitor de Deli passou uma boa mensagem ao país, dizendo que as políticas de ódio não funcionam”, defendeu o académico.

Uma derrota esperada, mas copiosa, do BJP, que entra na lista de revezes eleitorais recentes do partido a nível local. O Times of India recorda que os nacionalistas hindus, sozinhos ou coligados, já perderam seis eleições estatais nos últimos dois anos. Actualmente há 16 estados indianos governados pelo BJP e 12 estados nas mãos de outros partidos.

Triunfo de Kejriwal

Se a estratégia do partido do primeiro-ministro se mostrou incapaz de servir de antídoto contra o AAP, os planos de Arvind Kejriwal revelaram-se, novamente, um sucesso, tal como há cinco anos

Conhecido por ser um crítico do establishment político indiano e pelo seu activismo contra a corrupção, o líder do governo de Deli orientou a sua campanha para as questões sociais, para a educação, para a saúde e para medidas de apoio às classes mais desfavorecidas da capital, pondo-a em contraponto com a mensagem nacionalista do BJP.

Numa entrevista ao Indian Express, antes da eleição de sábado, Kejriwal acusou o BJP de querer apimentar o confronto entre hindus e muçulmanos para “distrair as pessoas das conquistas” do AAP em Deli.

“Chegou a altura de definirmos o que é patriotismo. É patriotismo educar as nossas crianças ou enfatizar o debate entre hindus e muçulmanos? É patriotismo fornecer serviços de saúde acessíveis ou falar de hindus e muçulmanos?”, questionou, citado pelo New York Times.

No seu discurso de vitória, depois de confirmados os resultados na terça-feira, Kejriwal declarou que o bom desempenho do AAP “fez nascer um novo tipo políticas”, que, acrescentou, “as pessoas definiram como políticas de desenvolvimento”.

“Mais do que um voto contra o BJP, a vitória confortável de Kejriwal deve-se ao triunfo do Estado social e da governação eficiente – da recuperação das escolas públicas e das clínicas de saúde e do fornecimento barato de água e electricidade”, considera o correspondente da BBC na Índia, Soutik Biswas, num artigo de opinião.

“O que o triunfo do sr. Kejriwal oferece é um balão de oxigénio a uma oposição [a Modi] amplamente dividida e desmoralizada”, acrescenta Biswas. “E prova que a boa governação conquista votos.”

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