Última palavra sobre o referendo seria de Marcelo

Com outra maioria parlamentar, mais conservadora, o actual Presidente da República teria a oportunidade de repetir o episódio do referendo ao aborto de 1998.

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Marcelo Rebelo de Sousa convocaria um referendo sobre eutanásia? daniel rocha

A última palavra sobre a convocação de um referendo é da exclusiva competência do Presidente da República, pelo que, caso a iniciativa popular do referendo fosse aprovada no Parlamento, seria Marcelo Rebelo de Sousa a decidir realizar, ou não, a consulta popular sobre a despenalização da eutanásia. Não sendo, como se prevê, Marcelo não terá a oportunidade de repetir o episódio do referendo ao aborto em 1998, que acabou por adiar em quase dez anos a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

Apesar de o chefe de Estado já ter dito que só se pronuncia “no último segundo” sobre o assunto, o seu posicionamento político e religioso e até mesmo a sua actuação na década de 1990 sobre a despenalização do aborto – quando era líder do PSD e, juntamente com o primeiro-ministro António Guterres, ter apoiado a realização do referendo que fez cair as propostas então em discussão no Parlamento – fazem prever que a sua decisão seria de concordância com a consulta popular.

“Em 1998, a iniciativa do referendo ao aborto foi do Parlamento e derivou de um acordo” entre o primeiro-ministro António Guterres e o líder do PSD Marcelo Rebelo de Sousa, lembrou ao PÚBLICO Jorge Reis Novais, que era na altura assessor jurídico do Presidente Jorge Sampaio. A maioria parlamentar aprovou a consulta popular, o Tribunal Constitucional validou-a e o Presidente da República acabou por convocá-la. O “não” ganhou e, apesar de não ter tido efeito vinculativo, tirou o assunto da agenda política durante quase uma década.

Agora, a situação é completamente diferente. Há uma maioria parlamentar favorável à eutanásia e contra o referendo, pelo que este não deverá concretizar-se. Então, qual o interesse dos opositores à despenalização da eutanásia em promover todo este processo? “O interesse é só político: a recolha de assinaturas [são necessárias 60 mil] vai mobilizar muita gente e o tema do referendo vai estar na ordem do dia. Enquanto se discutem estas formalidades não se discute o assunto central”, analisa o constitucionalista, catedrático da Universidade de Lisboa.

As três fases do processo

A iniciativa popular deve conter a pergunta ou perguntas a submeter a referendo, identificando os projectos em discussão no Parlamento. Recolhidas as 60 mil assinaturas e entregue a iniciativa na Assembleia da República, compete a este órgão validar as assinaturas, regular o processo de discussão dos projectos de resolução e votá-los. A aprovação faz-se por maioria simples, sem contar com as abstenções.

Se for chumbada, está o assunto encerrado. Se for aprovada, segue para Tribunal Constitucional, que tem 25 dias para proceder à fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade do referendo. Se for inconstitucional, está o assunto arrumado (a não ser que o Parlamento altere a proposta). Se o tribunal der luz verde, o assunto segue para Belém e o Presidente da República tem 20 dias e total liberdade para decidir sobre a convocação do referendo.

A decisão do Presidente da República é de tal forma soberana que não há qualquer indicação na lei sobre orientações ou critérios que deve observar. A decisão de convocar o referendo nem sequer necessita de referenda ministerial (ao contrário das leis) e a opção contrária apenas tem de ser comunicada aos promotores da iniciativa, com a explicação do “sentido e fundamento” dessa decisão, que é irrecorrível. Outra proposta do mesmo teor só pode ter lugar na sessão legislativa seguinte.

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