Sinn Féin movimenta-se para liderar um inédito Governo de esquerda na Irlanda

McDonald quer explorar soluções com os partidos mais pequenos, sabendo que não será fácil conseguir uma maioria. Contagem final deu vitória dos nacionalistas no voto popular, mas mais um deputado ao Fianna Fáil.

Foto
Mary Lou McDonald, líder do Sinn Féin, diz que é possível que venha a ser a próxima líder do Governo Reuters/PHIL NOBLE

Colocado à margem dos centros de influência e de decisão política na República da Irlanda durante várias décadas, o Sinn Féin toma agora a iniciativa para a formação de um Governo, fruto do resultado histórico alcançado nas eleições legislativas do passado sábado. O partido de Mary Lou McDonald vai encetar negociações com as forças mais pequenas do centro-esquerda irlandês, tendo em vista uma coligação inédita. Mesmo sabendo que dificilmente terá os números necessários para a fazer aprovar no Parlamento.

Na mira da líder do antigo braço político do Exército Republicano Irlandês (IRA) estão o Partido Verde, o Partido Trabalhista, os Social-Democratas, o Solidariedade e muitos dos deputados independentes que foram eleitos para o Dáil Éireann, a câmara baixa do órgão legislativo, composta por 160 lugares.

Estão também previstas conversas exploratórias com os dois principais partidos do país, o Fine Gael e o Fianna Fáil, que dependem, no entanto, da vontade de ambos os partidos de centro-direita se sentarem à mesa com o Sinn Féin – cenário que rejeitaram repetidamente durante a campanha, mas que o Fianna Fáil começa agora a admitir.

A contagem dos votos das legislativas do fim-de-semana só ficou concluída ao final da noite de segunda-feira. O Sinn Féin foi o partido mais votado entre as primeiras escolhas dos eleitores, alcançando 24,53% dos votos e elegendo 37 dos 42 candidatos que apresentou às urnas.

Mas quem elegeu mais deputados acabou por ser o Fianna Fáil. Apesar de se ter ficado por 22,18% do total de votos, o partido que mais vezes governou a Irlanda desde a independência (1922) beneficiou das vantagens do sistema de voto único transferível que vigora no país.

Segundo este sistema, os eleitores podem ordenar os candidatos dos vários de partidos de acordo com as suas preferências. Se o seu candidato favorito não atingir a percentagem mínima de eleição, previamente estabelecida, o voto passa para a opção seguinte. E assim sucessivamente.

Nestes termos, o Sinn Féin elegeu 37 deputados e o Fianna Fáil 38. Segue-se o Fine Gael (35), actualmente no Governo, o Partido Verde (12), o Partido Trabalhista (6), os Social-Democratas (6), o Solidariedade-Pessoas antes do Lucro (5), o Aontú (1) e os Independentes pela Mudança (1). Foram ainda eleitos 19 deputados independentes.

Muitos obstáculos

Na segunda-feira à noite, Mary Lou McDonald disse que é possível que venha a ser “a próxima taoiseach” (primeira-ministra), uma pretensão ambiciosa num país governado pelo centro-direita há cerca de um século. Mas os obstáculos não ficam por aqui. 

Para além de estar muito longe dos 80 deputados necessários para uma maioria estável no Dáil, mesmo dentro de uma coligação “arco-íris” de esquerda, a líder dos nacionalistas enfrenta ainda as consequências da exclusão do Sinn Féin, imposta e auto-infligida, na arena política e no espaço mediático irlandês, e das posições do partido sobre a urgência da reunificação da ilha

O seu passado problemático, as ligações de alguns dos seus mais emblemáticos dirigentes ao IRA e ao terrorismo, e o papel que desempenhou durante a guerra civil entre unionistas e republicanos, na Irlanda do Norte, afastam muitos dirigentes da mesa de negociações com Sinn Féin, com o Fine Gael, do actual taoiseach, Leo Varadkar, à cabeça.

A reorientação estratégica promovida por McDonald, para temas próximos do Estado social, da habitação, da educação ou da saúde, funcionou junto do eleitorado – particularmente dos mais jovens –, mas ainda não convence os partidos, tanto à esquerda como à direita.

A referência a slogans pró-IRA de um dos candidatos eleitos pelo Sinn Féin, no seu discurso de vitória – que McDonald apressou-se a catalogar como uma “distracção” em relação à sua verdadeira agenda eleitoral – pode afastar aqueles líderes partidários que, mesmo abominando os nacionalistas e o seu passado, admitem que o voto popular lhes oferece legitimidade e uma espécie de oportunidade para se redimirem de vez.

Quem aparenta estar a baixar as barreiras impostas durante a campanha é o Fianna Fáil, que apesar de rejeitar fazer qualquer compromisso prévio para a formação de um Governo ou para possibilitar uma investidura do Sinn Féin, admite agora “conversar”.

“Vamos ver que programa de Governo nos apresentam. Não vamos recusar falar com eles”, disse à RTÉ, na segunda-feira, um dos responsáveis pela campanha do partido, Dara Calleary. 

Na véspera, o próprio líder, Micheál Martin, também tinha dado sinais nesse sentido, mas preferindo destacar, acima de tudo, as “incompatibilidades significativas” entre os partidos. Esperam-se por isso, longas semanas de negociações entre as principais forças e a certeza de que dificilmente haverá um Governo maioritário à frente dos destinos da República da Irlanda.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários