Alemanha: Líder da CDU afasta-se e abre caminho a incerteza

Partido de direita radical Alternativa para a Alemanha canta vitória: a sua acção leva ao falhanço da transição planeada por Angela Merkel.

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Annegret Kramp-Karrenbauer anunciou que não vai ser candidata a chanceler CLEMENS BILAN/EPA

Foi só a última gota num copo de água de críticas de membros da União Democrata Cristã (CDU) à sua líder, Annegret Kramp-Karrenbauer, mas foi a que fez transbordar o copo: a líder dos conservadores anunciou esta segunda-feira que não vai ser candidata a chanceler e vai deixar a liderança do partido. Isto acontece depois de o seu partido ter votado ao lado do partido de direita radical (e no caso daquele estado federado, de extrema-direita) Alternativa para a Alemanha, na Turíngia, para eleger um chefe de governo do Partido Liberal Democrata (FDP).

O “terramoto” da Turíngia teve como objectivo afastar o até então chefe do governo do estado federado Bodo Ramelow, do partido Die Linke (A Esquerda), um político popular e relativamente moderado, que seria eleito com os votos do Partido Social-Democrata (SPD) e dos Verdes. O que a CDU fez, e levou a protestos em toda a Alemanha, foi quebrar o “cordão sanitário” à volta da AfD, que viu aqui uma hipótese para dar mais um passo na sua normalização e, pior, que viu fortalecida a ala do partido na Turíngia, onde o líder Björn Höcke pode ser chamado fascista (pode mesmo – um tribunal decidiu contra o líder da AfD na Turíngia, que se queixou de ser assim classificado em 2019). O político eleito, do FDP, tinha conseguido, por muito pouco – 73 votos apenas –​ ultrapassar o limite de 5% para ter representação parlamentar nas eleições que Ramelow vencera.

No entanto, este episódio apenas foi o mais recente de uma série de acções de Annegret Kramp-Karrenbauer que a expuseram a críticas dentro do partido, que está muito dividido entre os que apoiam o curso mais centrista da chanceler, Angela Merkel, e os que gostariam de ver um regresso do partido à sua posição mais conservadora.

Entre os potenciais candidatos à sucessão, perfilam-se três nomes mais prováveis. Os primeiros são os mesmos que concorreram contra Annegret Kramp-Karrenbauer em 2018, Friedrich Merz, que deixou há dias o seu cargo na consultora financeira BlackRock e que terminou com pouca diferença da vencedora, e Jens Spahn, que foi entretanto escolhido para ministro da Saúde, ambos são duas vozes críticas da via centrista de Merkel e de políticas como a de portas abertas a refugiados em 2015.

Potencialmente entra na corrida Armin Laschet, chefe do Governo do estado federado da Renânia do Norte-Vestefália, o coração industrial da Alemanha, e que é um político com mais semelhanças com Angela Merkel.

Um dos directores do Tagesspiegel, Stephan-Andreas Casdorff, diz que é Laschet quem parece ter as melhores condições de momento – no entanto, num cenário em que substituiria não só Annegret Kramp-Karrenbauer na liderança da CDU, como Angela Merkel na chefia do Governo. Não seria inconstitucional, diz, citando um precedente de 1966 quando uma coligação CDU/FDP se transformou numa “grande coligação” (CDU/SPD). E ao argumento da estabilidade pré-presidência europeia da Alemanha, que ocupa a presidência rotativa no segundo semestre de 2021, Casdorff responde com o forte europeísmo de Laschet, que já foi deputado do Parlamento Europeu.

No seu discurso a anunciar a saída, Annegret Kramp-Karrenbauer citou a separação entre chefia do partido e chefia do Governo como uma das dificuldades que enfrentou. Qualquer candidato que se siga terá o mesmo problema – na revista Der Spiegel Melanie Amman diz que quem for escolhido deverá exigir não ficar sob a liderança de Merkel, mas parte do princípio de que isso implicaria eleições, e é impensável ter uma campanha ao mesmo tempo da presidência rotativa da UE.

A chanceler já disse e repetiu que pretende ficar até ao final do mandato em 2021, mas é uma incógnita se será assim (também já tinha afirmado que não seria chanceler sem ocupar a presidência do partido e acabou por o fazer).

No jornal Die Zeit, o professor de Nova História e especialista em partidos conservadores Andreas Rödder, da Universidade Gutenberg em Mainz, diz que não vê como é que o Governo actual pode continuar até 2021. “A melhor solução seria ter novas eleições.”

O que vai acontecer à CDU é uma incógnita. O plano apresentado esta segunda-feira por Kramp-Karrenbauer é encontrar um candidato a chanceler até ao Verão, que seria confirmado no Congresso da CDU em Dezembro (além de Merz, Spahn e Laschet há quem fale ainda de duas outras possíveis candidaturas: Markus Söder, líder do estado federado da Baviera – improvável, nunca nenhum bávaro conseguiu liderar a CDU –; e Julia Klöckner, que ficou e fora da corrida anterior por não ter conseguido vencer as eleições no seu estado federado da Renânia-Palatinado, e é agora ministra da Agricultura).

O partido está “dividido como raras vezes esteve”, disse o número dois do grupo parlamentar dos conservadores, Carsten Linnemann, ao Frankfurter Allgemeine Zeitung. “A saída de Annegret Kramp-Karenbauer não resolve qualquer dos problemas” da CDU, concluiu.

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