Afonso Reis Cabral será director por um dia do PÚBLICO

O escritor Afonso Reis Cabral vai ser “director por um dia” por ocasião do aniversário do PÚBLICO a 5 de Março. Em comum, escritor e jornal, têm algo: estão quase a fazer 30 anos.

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Rui Gaudêncio

Gosta de desafios. Percebeu-se isso quando percorreu a pé a Estrada Nacional 2, entre Chaves e Faro, uma longa viagem, cruzando Portugal, da qual resultaria o livro Leva-me Contigo, num registo entre o diarístico e a crónica, que foi editado o ano passado. Por estes dias o estímulo para o escritor Afonso Reis Cabral, que completará em Março 30 anos, é outro. Foi ele o escolhido para ser “director por um dia” do PÚBLICO, por ocasião do 30.º aniversário do jornal, a acontecer no próximo 5 de Março.

Esta quarta-feira esteve, em reunião, na redacção do jornal, lançando pistas sobre o que pretende para essa edição, percebendo-se que a coincidência temporal entre o seu nascimento e o do jornal vai jogar um papel central. O tempo. A geração dos 30 anos. Os que cresceram com o jornal, e a forma como o jornal reflectiu estes 30 anos. Será uma edição com número redondo. Relevante. “Uma responsabilidade”, diz-nos ele no final da reunião, reconhecendo, sorrindo, que ainda “não descobriu” se tem “vocação para dirigir.” Escrever é, apesar de tudo, um acto mais individual. Nos jornais conta o colectivo. “É interessante ver que uma ideia que eu possa ter, por incipiente que possa ser, pode gerar toda uma nova ramificação de ideias. E isso é muito cativante. É ver o pensamento a acontecer. Acaba por ser um trabalho de equipa extraordinário”, diz.

Ainda não chegou aos 30, mas já há muito para trás. Publicou o seu primeiro livro de poesia aos 15 anos, Condensação e, em 2014, venceu o prémio Leya com o seu primeiro romance O Meu Irmão. De seguida escreveu Pão de Açúcar (D. Quixote, 2018), um romance que partia de um caso real e mediático (o assassinato da sem-abrigo transexual Gisberta Salce Júnior, por um grupo de 14 rapazes, no Porto), combinando factos e ficção, e Leva-me Contigo, o tal livro resultante de ter percorrido a pé 738.5 quilómetros. Já depois disso, em Outubro do ano passado, outro importante galardão: o Prémio Literário José Saramago pelo romance Pão de Açúcar. O júri reconheceu nele alguém “atento à voz da rua”, capaz de transformar a rua em literatura sem a adulterar. O real sempre lhe interessou. Situações reais atraídas por ambientes escuros e sombrios. E como é a sua relação com o jornalismo, num tempo sociopolítico de grandes transformações e tumultos?

“O jornalismo tem cada vez mais um papel relevante”, no sentido do esclarecimento, da compreensão de fenómenos complexos, no contrabalançar de um ecossistema comunicacional onde existe muita informação, mas não necessariamente conhecimento. “O jornalismo faz cada vez mais sentido como oposição a tudo isso – o imediatismo, as notícias sem profundidade e, sobretudo, as fake news. As “notícias falsas contaminaram o espaço público”, diz, embora na sua visão, “principalmente as pessoas da minha geração”, estejam avalizadas para “identificar e excluir tudo o que são noticias falsas, privilegiando num jornal aquilo que acabam por ser conteúdos singulares ou únicos.”

A sua geração cresceu com o advento da Internet. Acabou por ser a primeira a ter acesso ao passado de forma instantânea, o que acabou por contribuir para que, hoje, ao nível dos comportamentos e consumos culturais nem sempre seja fácil discernir a que geração pertence quem.

Adultos que ouvem Billie Eilish, de 17 anos. Adolescentes que ouvem Nirvana, repescados nos discos dos pais. “As coisas são mais fluídas, sim. A diferença geracional é mais pronunciada de cima para baixo, do que de baixo para cima. Somos os primeiros nativos digitais, portanto, estamos habituados a comungar nesse espaço com todas as gerações”, reflecte, fazendo contas à vida. Há muito trabalho pela frente. “Vamo-nos focar a partir daqui, e trabalhar até 5 de Março.” E daqui a 30 anos, onde se imagina ele?” “Com família, com mais alguns livros e, espero, feliz.”

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