O que deve saber sobre a emergência de saúde pública – novo coronavírus

Uma epidemia, qualquer que seja o agente, nunca é só um fenómeno médico, é também um fenómeno social. Confiar nos profissionais de saúde e seguir as recomendações da Direção-Geral da Saúde é o primeiro passo para estarmos todos mais preparados.

A 1 de fevereiro de 2020, na República Popular da China, estavam confirmados mais de dez mil casos do novo coronavírus, mais de 17 mil casos suspeitos e 259 mortes. Fora da China estavam confirmados 118 casos dispersos por mais de 20 países. Na Alemanha, Estados Unidos, Vietname, Tailândia e Japão já foram detetados casos em que a transmissão do vírus foi feita fora da China.

Na sequência destes acontecimentos. o Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a 30 de Janeiro de 2020 o novo coronavírus 2019 uma emergência de saúde pública de âmbito internacional.

Para o leitor, esta sequência vertiginosa de eventos e a avalanche de informação pode gerar confusão e até ansiedade. Para descomplicar proponho uma viagem aos últimos cem anos de esforços para conter a propagação de doenças e o que devemos esperar nos próximos meses. Para descontrair, mas só final deste artigo, recomendo algumas leituras e livros.

Uma breve historia do Regulamento Sanitário Internacional

A primeira reunião de países para decidir que medidas conjuntas deviam adotar para conter a transmissão de doenças infeciosas foi em Paris, 1851. Portugal fez parte de um pequeno grupo de países Europeus, sendo representado por um médico e um diplomata (pág. 12). Para termos uma ideia, nessa reunião, ainda não se percebiam os mecanismos como as doenças se transmitem (só em 1876 Robert Kock propôs que as doenças eram transmitidas por bactérias, os vírus só foram descobertos depois). Apesar da primeira reunião ter sido um fiasco, por não ter resultado em entendimentos, foi a primeira vez que países se reuniram para discutir o impacto das epidemias e de que forma deveriam cooperar. Já no século XX, em 1926, foram definidas regras de atuação e cooperação internacional para algumas doenças (p.e. Cólera e Febre Amarela).

Depois da criação da OMS, em 1969 foi criado o Regulamento Sanitário Internacional (RSI), um acordo que regula como é que países se devem relacionar para vigiar doenças que podem causar epidemias e a forma de atuar caso aconteça em caso de epidemia. O RSI foi revisto pela última vez em 2005, motivado pelo atraso da notificação do SARS (que também é um coronavírus) pela China, que teve os primeiros casos em Novembro de 2002, mas só notificou a OMS em Fevereiro de 2003. A atitude das autoridades Chinesas mudou muito e é agora mais rápida e transparente e a capacidade técnica das autoridades melhorou imenso.

O que é uma emergência de saúde pública de âmbito internacional (ESPAI)?

O Regulamento Sanitário Internacional obriga os países a estarem preparados para responderem a epidemias, através da formação de recursos humanos especializados, implementação de sistemas de vigilância de doenças, capacidade de diagnóstico laboratorial e tratamento, e têm a obrigação de transparência na comunicação com a OMS e com outros países.

Só o Diretor-Geral (DG) da OMS tem o poder de declarar uma emergência de saúde pública de âmbito internacional (ESPAI), para o fazer deve ouvir os peritos do Comité de Emergência, o país afetado, ter em conta a evidência científica mais recente, o risco de transmissão internacional e de disrupção das atividades económicas.

Quando o DG declara uma ESPAI deve simultaneamente emitir recomendações temporárias a adotar pelos países de forma a coordenar a resposta, mas estas medidas não são obrigatórias, apesar de serem um sinal de mobilização política. Nos últimos anos já foram declaradas ESPAI no caso vírus H1N1 (2009), Pólio, Ébola no Oeste Africano (2014), Zika (2016), Ébola na República Democrática do Congo (2018) e agora o novo Coronavírus (2020).

As recomendações da OMS

A OMS recomendou a todos os países que intensifiquem os esforços de vigilância de eventuais casos, e de contenção do contágio em casos confirmados. Para a comunidade internacional reforçou a importância da cooperação entre países, principalmente os países com menos recursos que devem ser ajudados na resposta ao novo coronavírus.  Mas não recomendou restrições ao comércio internacional ou viagens. No entanto, alguns países já recomendam não viajar para a China, como por exemplo os Estados Unidos e Singapura. A Coreia do Norte e o Quirguistão fecharam mesmo as fronteiras com a China. 

O que esperar

Nas próximas semanas continuaremos a assistir a um aumento do número de casos, ainda é especulativo prever se o vírus se irá alastrar de forma consistente fora da China. As medidas tomadas pela China, a OMS e outros países vão no sentido de diminuir o risco que tal aconteça.

Se a transmissão do novo coronavírus se alastrar para países com menos recursos (de baixo rendimento) o cenário será mais difícil de controlar; países com mais recursos, nos quais Portugal se inclui, têm equipamentos e recursos humanos com mais capacidade de conter a transmissão do vírus.

Uma epidemia, qualquer que seja o agente, nunca é só um fenómeno médico, é também um fenómeno social. A desinformação (fake news) e a xenofobia transmitem-se a maior velocidade que o vírus e já começam a chegar relatos disso mesmo. Todos temos uma responsabilidade individual ao não alimentar a desinformação, e só partilhar informação de fontes credíveis. Confiar nos profissionais de saúde, seguir as recomendações da Direção-Geral da Saúde é o primeiro passo para estarmos todos mais preparados, e lidar melhor com o novo coronavírus.  

Finalmente, e como prometido, as recomendações para descontrair: um artigo da BBC que relata a vida de uma jovem na cidade de Wuhan, o centro da epidemia do novo coronavírus (aqui). E o excelente livro de Philip Roth, Némesis, que relata casos de pólio nos Estados Unidos em 1944 e tem como tema central o medo, o pânico, o sofrimento e a espiritualidade em torno da epidemia.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Comentar