Proposta do Livre para devolver património às ex-colónias deverá ser chumbada

Apoio à medida de Joacine Katar Moreira só deverá vir do PAN e do Bloco, que argumenta que esta discussão está a acontecer também noutros países.

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É quase certo que a proposta do Livre para a inventariação e futura devolução de património vindo das ex-colónias ficará pelo caminho, tendo em conta as respostas dos vários partidos ao PÚBLICO. Para já, os partidos resguardam-se na resposta de que ainda estão a analisar as mais de 1200 alterações ao Orçamento do Estado para 2020 e que ainda nem leram o texto apresentado por Joacine Katar Moreira, mas o entusiasmo pela proposta é fraco.

A líder parlamentar do PS já afirmou que não lhe parece que seja uma proposta que o seu partido venha a aprovar.

O deputado Paulo Rios de Oliveira, que é o coordenador do PSD na comissão de Cultura, disse ao PÚBLICO que nem sequer conhece ainda o teor da proposta. Mas, a nível pessoal, tem dúvidas sobre o princípio que está na base da medida do Livre. “Quantos acertos do curso da História ao longo dos séculos terão que ser feitos para todos os países que se sentirem roubados ou espoliados serem ressarcidos? Podemos entrar numa espiral que não tem mais fim”, considera o social-democrata.

Ainda à direita, ao voto contra do Chega junta-se o do outro deputado único, da Iniciativa Liberal.

Já o PAN, que incluíra no seu programa eleitoral a realização do levantamento do património cultural das ex-colónias existente em território português, afirma que vai votar a proposta do Livre ponto por ponto. Irá abster-se no ponto que propõe a criação de uma comissão multidisciplinar com a missão de “forjar directivas didácticas para a recontextualização das colecções dos museus e monumentos nacionais” porque, embora seja a favor dessa comissão, o Livre usa uma terminologia para descrever as suas atribuições com base numa “dicotomia racismo/não-racismo" que “não contribui para os objectivos basilares como a não-discriminação, a pacificação e a não-violência”.

A líder parlamentar do PAN Inês de Sousa Real disse ainda ao PÚBLICO que irá votar a favor do segundo ponto que prevê a criação de um grupo de trabalho composto por museólogos, curadores e investigadores científicos, encarregue de fazer o levantamento das obras, objectos e património trazidos das antigas colónias portuguesas e que estão na posse de museus e arquivos nacionais por ser precisamente o que o seu partido defende. “Assegurando-se assim a reposição de justiça histórica e que está já a ser levada a cabo em alguns países europeus, onde estão a ser restituídas algumas peças do património cultural das ex-colónias que integravam as colecções públicas desses países. Apesar de ainda não termos apresentado nenhuma proposta neste sentido, esta é uma medida que consta do nosso programa eleitoral e à qual daremos o devido seguimento.”

O PCP ainda está a analisar as propostas e não se pronuncia sobre nenhuma em particular.

O apoio à proposta de Joacine deverá vir do Bloco e do PAN. Embora não queira revelar o sentido de voto, o Bloco salienta que esta é uma “discussão muito importante que está a acontecer” em diversos países e “não há como evitar o debate” também em Portugal.

“Deve desenvolver-se a cooperação entre museus e universidades dos vários países e, na classificação desse património, deve distinguir-se o que foi pilhado do que foi comprado, objectos de uso quotidiano do que passou a ser musealizado. Acima de tudo, não se pode fugir da discussão da realidade passada de dominação colonial e dos seus reflexos na vida das pessoas hoje”, respondeu o Bloco ao PÚBLICO.

A proposta do Livre motivou entretanto uma discussão paralela e acusações de discurso racista depois de o deputado André Ventura ter escrito no Facebook que Joacine Katar Moreira é que devia ser “devolvida ao seu país de origem” e que isso “seria muito mais tranquilo para todos... inclusivamente para Portugal”. O comentário foi fortemente criticado, por exemplo, pelos líderes parlamentares do Bloco e do PS.

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