Tamara Alves levou a calma da escuridão para dentro da Underdogs

Ao contrário da rua, “onde é tudo muito rápido”, numa galeria “há mais tempo para contemplar a peça” — e estas “podem ter uma história diferente, mais profunda, mais calma”. When the Rest Of The World Has Gone To Sleep, de entrada gratuita, está patente até 7 de Março.

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LUSA/José Sena Goulão

Tamara Alves levou a calma da escuridão para dentro da galeria Underdogs, em Lisboa, onde When the rest of the world has gone to sleep se inagura esta sexta-feira. 

A artista portuguesa começou o percurso artístico em “galeria, a usar signos de rua  graffiti— ou texturas da parede, nos trabalhos académicos”. A determinada altura começou a pintar na rua, onde a mensagem “tem de ser um bocado mais directa, mais forte”. “Tinha necessidade de fazer aqueles gritos, os animais, as mulheres nuas, as personagens fortes, gritantes, para criar um impacto mais directo, rápido e quebrar rotina”, disse sobre os murais como os que podem ser vistos no Cais do Sodré ou no Panorâmico de Monsanto, em Lisboa.

Ao contrário da rua, “onde é tudo muito rápido”, numa galeria “há mais tempo para contemplar a peça” —​ e estas “podem ter uma história diferente, mais profunda, mais calma”. A história que Tamara Alves conta em When the Rest Of The World Has Gone To Sleep​ começa “pela noite, até de madrugada, mas de uma forma calma, boa, silenciosa”. A artista trabalha “muito de noite”, altura que lhe passa tranquilidade. “A rua, a confusão, o barulho, quando chegava ao atelier tinha necessidade de respirar ou de fazer uma pausa, e sinto que a história que conto nesta exposição acaba por ser um pouco isso: é aquela fuga, a pausa, e quem sou eu na tela, além de ser eu na parede”, disse à Lusa, numa visita à mostra.

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José Sena Goulão

Foi já depois de decidir que rumo tomar na criação dos novos trabalhos que se lembrou que o primeiro mural que pintou “foi um carro na neblina da noite”. Além dos carros, na exposição estão também lobos e rostos, com a mesma estética dos que já pintou em murais em Portugal e no estrangeiro, mas também, ainda que talvez de forma menos evidente, as inspirações da poesia da Beat Generation ou do filme Crash, de David Cronenberg. “Fez sentido para mim toda essa temática do urbano, que primeiro quis trazer para a galeria, e depois de levar o trabalho para a rua, para esse contexto, e agora novamente aqui. É quase como se estivesse a trazer a cidade e esse espírito da neblina da noite para os trabalhos novamente”, explicou.

Para criar as obras expostas na Underdogs, Tamara Alves usou tinta acrílica e aguarelas, nas pinturas e lápis de cor, nos desenhos. “O desenho é muito importante para mim e o esqueleto de muita coisa e gosto de assumir isso. Gosto do lápis de cor que dá um carácter inocente a uma temática que é mais forte”, contou a artista. Além disso, Tamara Alves gosta de “contrastar e usar os materiais de formas inesperadas”. “Como a aguarela, que é vista como uma técnica que pinta paisagem ou é doce, clássica, e eu tentei desconstruir.”

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Na rua ainda tentou usar latas de spray, “para ver como é que funcionava”, mas tentava “imitar” o seu traço no desenho. “Quando fiquei satisfeita comecei a deixar de usar e passei a usar mais tinta, e também gosto do aspecto orgânico da pincelada”, partilhou. A artista, filha de dois pintores, começou a pintar “em pequena”. Mais tarde, estudou Artes Plásticas na Escola Superior de Artes e Design (ESAD) das Caldas da Rainha, tendo daí seguido para o Porto, onde fez um mestrado em Práticas Artísticas Contemporâneas, na Faculdade de Belas Artes e “uma das primeiras teses sobre activismo plástico em contexto urbano”.

When the Rest Of The World Has Gone To Sleep, de entrada gratuita, estará patente até 7 de Março. Simultaneamente, na Underdogs, estará também patente a exposição cápsula Woven, de Raquel Belli. A partir deste ano, os artistas que apresentam colecções cápsula na galeria são escolhidos pelos artistas da exposição principal. As duas, contou Tamara, conhecem-se desde os tempos da faculdade. “Sempre gostei muito dos trabalhos dela. A Raquel tem um carácter subversivo, consegue dar a volta aos materiais”, contou Tamara Alves, recordando que na altura da faculdade, Raquel Belli “fazia escultura”.

Em Woven, Raquel Belli apresenta trabalhos que são “como uma tapeçaria, o que dá uma leveza gigantesca a algumas fotografias”, trabalhando manualmente duas imagens, cortando-as em tiras, como se de um tapete se tratasse.

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