Sonhos pop e pesadelos barrocos

O mundo de Melanie Martinez pode ser muito cor-de-rosa e com tule à mistura. Mas lá por detrás estão as angústias e os medos da adolescência que podem tomar proporções assustadoras.

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É sabido como por debaixo de uma nuvem de algodão doce se pode esconder arame farpado, como um conto de fadas como a Branca de Neve é afinal uma história de terror ou até como um simpático boneco como My Buddy se pode transformar em Chucky, um boneco assassino.

O mundo de Melanie Martinez é assim, muito cor-de-rosa, muito tule, mas a disfarçar as angústias e os medos da adolescência que podem tomar proporções assustadoras. Não é, pois, de admirar que o seu pop electrónico fale muito especialmente para a “geração Z” que, na terça-feira à noite, encheu o Campo Pequeno, em Lisboa, para ouvir, muitos deles acompanhados pelos seus pais, a interpretação de K-12, o segundo álbum de originais.

A grande diferença desta nova-iorquina de 24 anos para outras autoras que retratam as angústias da adolescência, é que ela corporiza isto num mundo visual que parece saído de uma mente partilhada por Maria Antonieta, Tim Burton e o chapeleiro de Alice no País das Maravilhas. Se isso já estava presente em Cry Baby, o primeiro disco, acentuou-se ainda mais com K12, que é simultaneamente um filme em que todas as músicas estão retratadas com o respectivo teledisco.

Foi este álbum conceptual, que tem tem como pano de fundo um colégio de traços barrocos, que Melanie Martinez transportou para o Campo Pequeno, acompanhada por seis bailarinos e um combo musical que integrava bateria, harpa e teclas. Com eles subiriam para o palco camas, secretárias, teatros de marionetas, enfermarias, bonecos de carrossel num desfile que por pouco ia matando o concerto.

O espectáculo abriu com Wheels on the bus, mas pelo menos aqui o autocarro só estava projectado no ecrã. Seguiu-se Class fight e as peças que atravancavam as laterais do palco começaram a fazer parte do espectáculo. Quando se chegou a The principal já se tinha percebido que Melanie ia interpretar na íntegra o disco, pela ordem com que os temas estão alinhados, e que entre cada música haveria um intervalo que podia ultrapassar os cinco minutos para mudança de decoração e de guarda-roupa. Resultado? As 13 músicas que em disco contabilizam 46 minutos estenderam-se para o dobro, sacrificando o ritmo à encenação.

Para o público presente, onde pontuavam os praticantes de cosplay, e os góticos em tons de creme com cabelos bicolores como Melanie, isso não parece ter feito grande diferença. Afinal era o mundo que conheciam do YouTube a sair do telemóvel para desfilar à sua frente. Mas a prova que a experiência podia ter sido bem mais recompensadora veio no final. Com o encore de três músicas do álbum anterior, sem os atilhos da encenação, Melanie e o público finalmente começaram a pular. Só que era já tarde. Tinha chegado o momento de abrir os olhos e sair do sonho.

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