O Orçamento do Estado e o contributo de Portugal para um mundo justo e sustentável

Depois da aprovação na generalidade do OE2020, chegou o momento de a Assembleia da República discutir as várias dimensões setoriais do documento. No momento em que se assumem os compromissos orçamentais para 2020, a Plataforma Portuguesa das ONGD entende ser essencial aprofundar o debate sobre o contributo de Portugal para um mundo mais justo, solidário, equitativo e sustentável.

O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros estará nesta terça-feira, dia 21 de janeiro, no Parlamento para uma audição pública conjunta das Comissões de Orçamento e Finanças e de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas. Em discussão estarão as medidas propostas pelo governo para a componente de “Representação Externa” do Orçamento do Estado para 2020 (OE2020), onde se incluem as dimensões das relações com outros Estados, da internacionalização da economia e da ligação às comunidades portuguesas, entre outras.

Não obstante a importância de todas as dimensões, uma vez que nos encontramos num momento determinante para a definição das orientações políticas a seguir durante o ano e das respetivas consignações orçamentais que lhes serão atribuídas, há vários aspetos sobre a cooperação portuguesa que a Plataforma Portuguesa das ONGD entende ser relevante debater de forma aprofundada. Por isso mesmo, lançámos, nas últimas semanas, em linha com o que tem sido a análise e o posicionamento da Plataforma Portuguesa das ONGD e com base no OE2020, no respetivo relatório e nas Grandes Opções do Plano 2020-2023, um conjunto de reflexões junto dos/as deputados/as à Assembleia da República de forma a colocar a política de cooperação para o desenvolvimento na agenda e a estimular a discussão sobre o tema.

Num momento determinante para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, é absolutamente vital que Portugal dê o seu contributo para um mundo mais justo e sustentável. Isso só será garantido caso consigamos que o Estado cumpra com os seus compromissos internacionais, designadamente em matéria de quantidade e qualidade da Ajuda Pública ao Desenvolvimento. Isto significa, em primeiro lugar, procurar perceber de que forma é que o compromisso assumido pela secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, durante o último Seminário do Camões, I.P. sobre Cooperação, Cultura e Língua, de promover um “reforço da Ajuda Pública ao Desenvolvimento” (APD) se concretiza. Este é um aspeto particularmente relevante num momento em que, de acordo com os últimos dados conhecidos sobre a ajuda portuguesa em 2018, os montantes disponibilizados desceram face a 2017.

Tendo em conta os compromissos internacionais assumidos por Portugal, a Plataforma Portuguesa das ONGD tem vindo a insistir para que o governo conduza uma redefinição de metas financeiras para a APD portuguesa, associada a calendários com a indicação da progressão prevista, de modo a atingir a meta dos 0,7% do RNB (Rendimento Nacional Bruto) para APD até 2030. Apesar dos compromissos assumidos, o OE2020 não inclui, na sua globalidade, dados desagregados que permitam aferir quanto a um aumento real das verbas disponibilizadas para APD, uma vez que o incremento previsto para o orçamento do Camões, I.P. não garante, por si só, um aumento nos montantes alocados pelo Estado para o setor.

Ao mesmo tempo que é omisso em relação a elementos detalhados que permitam antecipar metas no que à Ajuda Pública ao Desenvolvimento diz respeito, o Orçamento prevê um grande “enfoque na operacionalização do Compacto para o Financiamento do Desenvolvimento dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa”. Vulgarmente conhecido por Compacto Lusófono, este instrumento resulta da parceria entre o governo português, o Banco Africano de Desenvolvimento e os países signatários, e pretende disponibilizar um máximo de 400 milhões de euros em garantias para projetos que contem com a “intervenção de empresas portuguesas ou instituições financeiras de capital português”.

Num momento em que o Ministério dos Negócios Estrangeiros se encontra mobilizado, em todas as suas vertentes, para a internacionalização da economia portuguesa, é absolutamente essencial separar, de forma inequívoca, os objetivos de internacionalização das empresas portuguesas, dos objetivos da cooperação para o desenvolvimento – tradicionalmente orientados para aspetos como o fortalecimento das capacidades dos países e das instituições em áreas estruturantes para o desenvolvimento humano, para a promoção da Boa Governação, da Democracia e do Estado de Direito e para a realização dos Direitos Humanos.

O OE2020 prevê ainda a continuação do desenvolvimento de projetos de cooperação delegada da União Europeia – uma modalidade de cooperação que permite que a Comissão Europeia delegue fundos a um Estado-membro para a execução de programas nesta área. Por um lado, esta é uma opção que carece de discussão pública com todos os atores envolvidos na cooperação portuguesa e de um aprofundamento dos processos de prestação de contas. Por outro, no sentido de aferir da possibilidade de a aposta na cooperação delegada estar a resultar num desinvestimento na Ajuda Pública ao Desenvolvimento, é importante promover um diagnóstico que avalie o seu impacto na afetação de recursos ao setor pelo Orçamento do Estado.

Na ausência de informações que detalhem as especificidades previstas pelo Orçamento do Estado para cada uma das áreas acima descritas, a Plataforma Portuguesa das ONGD procurou recordar os/as deputados/as da necessidade de colocar no debate político e parlamentar a cooperação para o desenvolvimento, assim como de aprofundar a discussão em torno destas matérias. Num mundo marcado pela emergência climática, pelo aumento das crises humanitárias, onde as 26 pessoas mais ricas acumulam tanta riqueza quanto a metade mais pobre da população mundial e, com tantos outros desafios que enfrentamos enquanto humanidade, a cooperação portuguesa pode e deve assumir-se na dianteira do combate às causas estruturais das desigualdades a nível global.

Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento​

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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