Que importa a Líbia?

Nos últimos tempos, Putin e Erdogan emergiram como patronos das duas coligações rivais na Líbia e como protagonistas da diplomacia. Vão dilacerar-se ou vão entender-se sobre uma partilha dos despojos?

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As potências, grandes e pequenas, acorrem este domingo a uma conferência internacional sobre a Líbia, em Berlim. Fala-se em pacificação, embora se possa também falar também em tentativa de “partilha” da Líbia. Os europeus, à excepção dos italianos, resistem a perceber o que lá se joga. É desde 2011 um “Estado falido”. Mas tem petróleo e também uma posição geográfica relevante.

Que faz correr as potências após uma década de indiferença? Será a iminência de um desfecho na disputa do território e do poder. Há duas coligações político-militares em confronto. A do general Khalifa Haftar, que controla a Cirenaica (Leste), e a de Fayez Al Sarraj, chefe do governo de Tripoli, apoiado pela cidade-estado de Misurata.

Mas não são apenas estas duas coligações que disputam o país, as jazidas e os terminais petrolíferos. Quem apoia Haftar? A Rússia, o Egipto, os Emirados Árabes Unidos e, indirectamente, a França e os Estados Unidos. Quem está com Sarraj? A Turquia, o Qatar e, indirectamente, a Itália.

A Turquia decidiu enviar tropas para evitar a queda de Tripoli. Negociou com o governo de Sarraj um acordo que permitiria a Ancara alargar a sua zona económica no Mediterrâneo e fazer novas prospecções de petróleo, o que enfurece a Grécia. Lembre-se que a Líbia fez parte do Império Otomano e que Ancara quer relançar a sua influência no Mediterrâneo.

Para o Egipto, a Líbia é sobretudo relevante em termos de segurança das fronteiras. Mas o Cairo também é hostil à Irmandade Muçulmana, apoiada pelo Qatar e influente em Tripoli. Para a Rússia, depois de se ter instalado na Síria, é aliciante reforçar a sua presença no Mediterrâneo central.

Nos últimos tempos, Putin e Erdogan emergiram como patronos das duas coligações rivais e como protagonistas da diplomacia. Vão dilacerar-se ou vão entender-se sobre uma partilha dos despojos?

E a Europa? A Líbia é uma prioridade geopolítica para UE, sobretudo após as recentes e maciças migrações africanas. Mas os europeus nunca puderam chegar a um consenso sobre a Líbia por causa do conflito de interesses entre a França e a Itália. A intervenção da NATO em 2011 foi de iniciativa de Nicolas Sarkozy, contra o Governo italiano que foi arrastado para a operação. Como antiga potência colonial, Roma tinha relações estreitas com Khadafi.

A italiana ENI é a maior petrolífera na Líbia, explora o gasoduto Green Stream, sendo responsável por 70% da energia eléctrica na Itália. Os franceses da Total e da GDF-Suez são rivais da ENI, cuja hegemonia querem romper. Por isso, a UE é a grande ausente do conflito e teve de ser Berlim a tomar a iniciativa da conferência.

As tribos

Este é o “grande tabuleiro” internacional. Mas o “tabuleiro tribal” será determinante. Haftar e Sarraj chefiam coligações de “geometria variável”. A verdadeira força reside nas tribos, em certas cidades, como Misurata, e nas dezenas de milícias locais e grupos criminais que constantemente mudam de campo.

Quem manda na Líbia? É um país sem Estado mas com dois parlamentos, dois governos que não governam, duas coligações armadas e, até, dois bancos centrais. A Líbia deixou de ser um país unitário. Para lá da estrutura tribal, a Cirenaica e a Tripolitânia têm histórias diferentes. Por isso se encara sempre uma solução federal.

A política tribal assenta no controlo e na partilha dos recursos - da renda do gás e do petróleo mas também dos terminais, portos, aeroportos ou ministérios encarados como potencial fonte de receita. Às tribos pouco interessa saber quem vai ser o “presidente”. Mais do que a pessoa, interessa-lhes saber quem vai distribuir a renda e como a vai repartir.

A Líbia vive numa situação de anarquia, agravada pela queda abrupta da receita do petróleo, que abalou os compromissos tradicionais e fomentou o clima de “guerra civil dispersa”.

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