Organizações pedem mais apoios para animais selvagens em risco na Austrália

Organizações não governamentais queixam-se da falta de apoios públicos. “Sem financiamento, e dependendo apenas de voluntários e doações, torna-se difícil responder a uma crise nacional como esta.”

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Uma cria de canguru a ser alimentada em Mallacoota, no estado de Vitória, Austrália Tracey Nearmy/Reuters

Organizações ambientais australianas saudaram a generosidade de cidadãos nacionais e estrangeiros que têm feito doações para o auxílio a animais afectados pelos fogos na Austrália, sublinhando, porém, que são necessários apoios públicos adicionais de imediato.

Anna Felton, da organização ambiental WIRES — que gere uma rede de voluntários envolvidos no apoio à vida selvagem em Nova Gales do Sul —, disse à Lusa que a maior parte das organizações envolvidas nesta área são estruturas dependentes de voluntariado, sem financiamento directo do Estado. “Sem financiamento e dependendo apenas de voluntários e doações, torna-se difícil responder a uma crise nacional como esta. É muito difícil”, frisou Felton, notando que o apoio inicial disponibilizado pelo Governo é um bom primeiro passo, mas insuficiente.

“E importa saber como e em que é que esse dinheiro vai ser gasto”, notou, referindo-se ao pacote anunciado pelo Governo federal, avaliado em 50 milhões de dólares australianos (cerca de 31 milhões de euros) para apoio à recuperação da vida selvagem destruída pelos fogos das últimas semanas. Felton sublinha que, a curto prazo, é essencial definir, igualmente, “políticas de longo prazo para o sector florestal e da vida selvagem” e, de forma mais ampla, “analisar as políticas ambientais” para lidar com as alterações climáticas.

“Ficamos muito sensibilizados com a resposta generosa das pessoas a esta crise, doações em dinheiro e ofertas de voluntários para nos ajudar no terreno. Mas é essencial uma resposta mais ampla”, frisou. “Nesta altura o mais benéfico não são doações de bens ou produtos, mas sim de dinheiro para que possam apoiar as pessoas certas que estão nos lugares certos e a lidar no terreno com o problema”, disse ainda.

A WIRES tem uma rede de 2500 voluntários envolvidos no apoio a animais selvagens em vários pontos do estado de Nova Gales do Sul e que não têm parado nas últimas semanas devido aos fogos florestais, que já mataram 28 pessoas e queimaram uma área maior do que Portugal.

Também Stuart Blanch, cientista ambiental e um dos responsáveis do sector de reflorestação da World Wildlife Fund - Austrália (WWF-A) defendeu, em entrevista à Lusa, “medidas e soluções práticas”, de imediato, como os primeiros passos do processo de recuperação.

A WWF tem em curso uma campanha de apelo à recolha de 30 milhões de dólares australianos (18,58 milhões de euros) para apoiar “os esforços de recuperação”, com a maior parte do trabalho a ser feito por “voluntários e pequenos grupos comunitários, que precisam de ajuda” em várias questões. “Nós estamos a apoiar alguns destes grupos, mas é preciso mais apoio do Governo. Temos muito pouca capacidade. Há pessoas com animais em casa, na sala, mas que não têm condições para manter este apoio o tempo prolongado que é necessário e que pode durar semanas”, referiu.

“Temos de ajudar estes guerreiros da linha da frente, dar dinheiro para combustível, medicamentos, mais equipamento. Mas também criar um quadro nacional, uma rede institucional, para ajudar neste esforço”, frisou. Depois, de forma mais ampla, é “necessária uma reposta nacional para recuperação da floresta e da vida selvagem”, disse Blanch, notando que o apoio de 50 milhões anunciado é apenas 2,5% do pacote total de dois mil milhões de dólares australianos (1,2 mil milhões de euros) anunciado pelo Governo para apoio às zonas afectadas.

“Nos próximos 10 anos, os 50 milhões têm de se transformar em cinco mil milhões para apoio, para fortalecer a recuperação de florestas e para apoiar indivíduos que têm florestas nas suas propriedades para que as preservem, melhorem ou ajudem a recuperar”, disse. “É preciso um programa de liderança ambiental que ajude a proteger a floresta que temos, recuperando 10 milhões de hectares de floresta”, afirmou.

Mais do que isso, porém, é preciso uma solução global porque “não importa quantos coalas forem salvos e quantas árvores plantadas se continuam a destruir-se coisas por causa das alterações climáticas”. “A Austrália tem de liderar a transição para energias renováveis, acelerar o fim da fase de desenvolvimento baseado na exploração de carvão e petróleo e mudar para a próxima fase, que é ser um superpoder mundial em energia renováveis”, afirmou. “Agora somos um peso, uma âncora que está a atrasar a comunidade global”, disse.

Blanch admitiu frustração e irritação com o número de pessoas que, sem qualquer base científica e perante a posição da ampla maioria dos cientistas, continuam a negar o impacto e os efeitos das alterações climáticas.“Não podemos dizer que vamos tomar conta dos coalas, das florestas e ao mesmo tempo continuar a aumentar a temperatura no forno global que nos continua a cozinhar”, disse. “Os seres humanos estão em guerra contra a natureza e alterarmos tanto o clima que o clima começa a morder-nos. E ver responsáveis políticos a dar cobertura política a alguns que, nos media, na indústria ou noutros sectores, negam as alterações climáticas, é muito frustrante”, admitiu.

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