A esquerda não gosta nem desgosta do Governo

Recusar um Orçamento que prevê o aumento das pensões, a descida do IVA da electricidade, a redução do valor das propinas ou o alargamento do complemento solidário para idosos seria impossível de explicar.

A “geringonça” já não tem existência formal, mas continua a funcionar. O primeiro Orçamento do Estado da actual legislatura foi aprovado com os votos do PS, a abstenção de todos os outros partidos da esquerda e o voto contra de todas as forças da direita. O cenário era previsível. O reforço eleitoral dos socialistas (mesmo na ausência de uma maioria absoluta) permite-lhes uma gestão orçamental independente, que vai variar de parceiro em função das medidas ou das conjunturas.

A esquerda no Parlamento está condenada à angústia de não poder votar contra, para que não seja vista na companhia da direita, nem a favor, por compreensível despeito. Recusar um Orçamento que prevê o aumento das pensões, a descida do IVA da electricidade, a redução do valor das propinas ou o alargamento do complemento solidário para idosos seria impossível de explicar.

E a direita que o rejeitou só tem razões para estar ciumenta — até os deputados da Madeira se abstiveram e Rio foi o último a sabê-lo. Mário Centeno teve cinco orçamentos aprovados sucessivamente, nunca apresentou um Orçamento Rectificativo, cumpriu as metas orçamentais, promete contas certas e o primeiro excedente em tempos de democracia. Pelos vistos, o diabo não está à porta e já não colhe insistir na tendência genética do PS para a bancarrota. O PSD esvaziou e vai ser difícil encontrar o Wally.

Na actual legislatura, o Governo privilegia negociações paralelas, como fez nas negociações da Concertação Social, para o aumento do salário mínimo, ou como está a fazer com os sindicatos, para garantir aumentos da função pública acima dos orçamentados 0,3% (e a respectiva aprovação do PCP e do BE na especialidade). 

Os comunistas anunciaram que iriam abster-se, quando o PS ainda conversava com o BE, depois de os sindicatos terem garantido aumentos para a função pública, antecipando-se e definindo o que seria a posição da restante esquerda.

Foi a primeira vez no historial parlamentar comunista que tal aconteceu. À excepção da aprovação dos quatros anteriores, o PCP sempre esteve contra todos os orçamentos. Não é segredo nenhum: o que há entre António Costa e Jerónimo de Sousa é camaradagem e o que há entre Costa e Catarina Martins não é nada mais do que acrimónia. 

A esquerda não gosta nem desgosta do Governo. É qualquer coisa de intermédio. Serão quatro anos a viver da abstenção? E depois?

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