O caixote do lixo tem mesmo de falar com o telemóvel?

Frigoríficos, camas, berços e até caixotes do lixo inteligentes prometem uma casa às nossas ordens. Mas nem todos os aparelhos se ligam aos assistentes digitais das grandes empresas.

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As casas inteligentes são um dos temas fortes das últimas edições da CES Steve Marcus/Reuters

São seis da manhã. Ninguém está na cozinha, mas as luzes acendem-se lentamente num tom alaranjado que lembra o amanhecer. Pouco depois, a chaleira ferve a água para o café, o forno em miniatura começa a cozer os scones, e as notícias do dia ouvem-se pela casa.

Os aparelhos sabem que a utilizadora está prestes a acordar. A almofada avisou-os de que ela já não está em sono profundo: o ritmo cardíaco mudou e começa a virar-se na cama. Ao fundo, a voz de uma assistente inteligente (chamada Google Assistant, Alexa ou Siri) começa a ler a agenda do dia.

Este é um cenário que se pode imaginar facilmente ao passar esta semana pelo centro de convenções do Hotel Venetian, em Las Vegas. É lá que estão expostos grande parte dos produtos dedicados ao conceito de casa inteligente, um dos temas da Consumer Electronics Show (CES), a grande feira de tecnologia de Las Vegas.

Há um pouco de tudo nos vários espaços que recriam divisões de uma casa do futuro. O Snoo é um berço rodeado de microfones que adapta o ritmo do baloiçar de acordo com os sons do bebé (e, como é habitual, pode ser controlado via aplicação móvel). A CareOS desenvolve uma câmara que reconhece o utilizador e alerta-o para sinais de cansaço na expressão ou para problemas na pele. A SimpleHuman tem um caixote do lixo controlado por voz.

Já a nova máquina de lavar da LG calcula o volume e peso da carga, e usa inteligência artificial para identificar o tipo de tecidos — depois, analisa milhares de dados para programar o ciclo de lavagem ideal. A Phyn é um sensor que se coloca sobre os canos da água para detectar avarias e monitorizar a água gasta. A startup Tigout criou um mini-forno que coze scones, bolachas de aveia e bolachas de manteiga em minutos, a partir de cápsulas, de forma semelhante a uma máquina de café. E o Halo é uma fechadura que reconhece a impressão digital do utilizador e da sua família. É uma de muitas fechaduras inteligentes. Algumas funcionam com reconhecimento facial, outras usam tecnologia NFC, que permite a troca de informações sem fios entre dispositivos que estão próximos.

Vários destes produtos têm câmaras. Quase todos têm algum tipo de microfone e sensor. E todos recolhem dados dos utilizadores — os quais, quando possível, são partilhados com outros aparelhos. Há quem argumente que não é um problema.

Preparar um burrito

“O mercado da casa inteligente ainda é composto por muitos dispositivos que funcionam sozinhos”, disse Lainie Muller, da Alarm.com, que junta serviços oferecidos por aparelhos inteligentes numa só plataforma. Falava numa conferência dedicada ao futuro da casa inteligente. Para Muller, uma das vantagens de conectar vários aparelhos é ajudar adultos com limitações ou idosos a viverem de forma mais autónoma.

“Quando pensamos em produtos conectados, também podemos pensar em produtos que nos podem conectar facilmente com os outros – seja com profissionais de saúde ou com familiares”, diz Muller.

É uma ideia partilhada pelo Google. “Uma casa só é verdadeiramente inteligente quando os vários aparelhos funcionam de forma interligada, caso contrário são só uma colecção de produtos”, argumentou Vera Tzoneva, responsável pelo departamento de parcerias da empresa. “Sensores interligados permitem criar serviços para ajudar a tomar conta de idosos ou de bebés, para optimizar o consumo de energia e serviços de segurança.”

O Google tem um espaço dedicado a mostrar as vantagens de tornar o Assistant compatível com vários electrodomésticos, carros e até aplicações rivais, como o Spotify. Os visitantes são convidados a fazer um exercício em que têm de “salvar o dia” depois de uma marcação de restaurante cancelada. O objectivo é pôr os vários aparelhos inteligentes na cozinha a preparar um burrito, e recorrer à fechadura inteligente para ver quando chegam os convidados antes mesmo de tocarem à campainha.

Tzoneva admite que uma das barreiras à adopção da tecnologia é a privacidade: “Os consumidores estão mais informados sobre aquilo que é um dispositivo conectado. É por isso que tentamos ser muito claros sobre a forma que utilizamos os dados.”

Há ainda outra razão para os consumidores recearem produtos a funcionar com assistentes virtuais: “Muitos dos nossos produtos não estão ligados a assistentes digitais como a Alexa ou o Assistant, porque é frequente ser necessário wi-fi. Por vezes, funcionam na mesma, mas quando a ligação está má os produtos não funcionam tão bem”, explicou ao PÚBLICO Ivy Fu, da SimpleHuman. “A verdade é que os produtos inteligentes não têm de estar todos conectados. Um caixote lixo controlado pela Alexa, por exemplo, só iria complicar uma tarefa simples.”

O PÚBLICO viajou a convite da CES

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