Morreu John Baldessari, um dos grandes nomes da arte conceptual

Ao longo da sua carreira, Baldessari manteve uma relação muito próxima com Portugal: as suas primeiras exposições no país, ambas em 1996, aconteceram no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e na Galeria Pedro Oliveira, no Porto.

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Manfredi Gioacchini/baldessari.org

John Baldessari, um dos maiores nomes da arte conceptual, morreu na quinta-feira da semana passada, aos 88 anos, mas a notícia da sua morte apenas foi tornada pública no domingo e confirmada ao PÚBLICO pela sua galerista em Portugal, Cristina Guerra. Ao longo da sua carreira, Baldessari manteve uma relação muito próxima com Portugal: as suas primeiras exposições no país, ambas em 1996, aconteceram no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian (This Not That, com curadoria de Alexandre Melo), em Lisboa, e na Galeria Pedro Oliveira, no Porto. Expôs depois em Lisboa em 2004, quando assinou com Julião Sarmento e Lawrence Weiner o projecto conjunto Drift, no Centro Cultural de Belém (CCB), com curadoria de Delfim Sardo. Na Galeria Cristina Guerra, que o inclui no seu rol de artistas permanentes, apresentou-se por duas vezes, em 2006 e 2009.

A galerista portuguesa, que o considerou sempre um dos artistas mais importantes com quem trabalhou, diz que foi na sequência da exposição no CCB que Baldessari lhe disse que gostaria de trabalhar com ela. “Na altura senti que um Cadillac estava a tentar entrar dentro de um Mini! E respondi-lhe que ele era grande, tão grande que não tinha a certeza de poder responder-lhe às expectativas”, conta a galerista ao PÚBLICO. Baldessari apenas comentou: “Sim, sou grande”.

Grande não só pela obra marcante que construi no contexto da arte contemporânea, mas também dadas as elevadas cotações internacionais que o mercado lhe propiciou. Em 2007, uma pintura sua ultrapassou a fasquia dos quatro milhões de dólares num leilão. Quanto à obra, Baldessari seguiu um percurso que outros artistas da sua geração, conceptuais ou não — recorde-se que a arte conceptual surge praticamente ao mesmo tempo que a land art, a pop, o minimalismo, o happening, entre outras linguagens —, também adoptaram.

John Baldessari nasceu em 1931 em National City, na Califórnia, estado onde ainda vivia. Frequentou o curso de História da Arte na Universidade de San Diego, enveredando depois pelo ensino, a par da sua actividade artística. A partir de 1970 integrou o corpo docente do California Institute of the Arts, onde ensinou, entre outros, David Salle, Tony Oursler, Matt Mullican, e o próprio Lawrence Weiner. Muitos continuaram seus amigos.

As suas primeiras obras partiram da fotografia ou do texto (retirado da história ou da teoria artística), que Baldessari pintava sem mais acrescentos sobre telas brancas. Nas década de 60 e 70, apropriou-se de fotografias pré-existentes que, combinadas com afirmações e aforismos, muitas vezes desembocavam num non-sense de longínqua lembrança surrealista. Pontualmente, trabalhou também reproduções de obras de artistas incontornáveis na história da arte moderna e modernista, mas acrescentando-lhes intervenções com as cores primárias e os círculos que, recentemente, se tornaram na sua assinatura visual.

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Sidney B. Felsen/baldessari.org

Baldessari partilha com a arte conceptual de Joseph Kosuth, por exemplo, o trabalho sobre a linguagem verbal que todos usamos para definir o que vemos, mas também a vontade de aprofundar com radicalidade e exigência aquilo que a arte pode, ou não, ser. Mas não só. Encontramos paralelos entre a sua obra e a de Andy Warhol, no uso de sinais claramente pertencentes ao universo da imagem reproduzida industrialmente, ou do interesse pelo trabalho que a divulgação massificada opera na própria imagem.

Julião Sarmento, que com Fernando Calhau foi dos raros artistas em Portugal a trabalharem a imagem conceptual, e Lawrence Weiner, que ocupa o espaço construído com frases que são imagens, e imagens que são frases, reconheceram bem na obra baldessariana um parentesco certeiro.

John Baldessari deixa também uma extensa obra gráfica e inúmeras performances e filmes, entre as quais Unrealised Proposal for Cadavre Piece, originalmente de 1970, concebida a partir da Lamentação do Cristo Morto, de Mantegna; nesta, os espectadores seriam convidados a espreitar por um olho mágico, e a ver um autêntico cadáver de homem, de pés para diante, conservado em câmara frigorífica. A performance nunca se realizou, mas a documentação que resultou das várias tentativas para a concretizar foi exposta no Festival Internacional de Manchester de 2011.

Entre muitos outros prémios, recebeu em 2009 o Leão de Ouro pela carreira na 53.ª Bienal de Veneza. Trabalhava actualmente com a galeria Marian Goodman.

John Baldessari tem o seu trabalho representado nas colecções dos mais importantes museus do mundo, como o MoMA. Em Portugal, integra as colecções do Museu de Arte Contemporânea de Serralves e do Museu Berardo, com peças como o vídeo I Will Not Make Any More Boring Art (1971).

Notícia corrigida: A primeira exposição de John Baldessari em Portugal aconteceu em 1996, e não em 2004

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