Luxemburgo testa sistema de transportes públicos grátis na passagem de ano

Transportes totalmente gratuitos vão entrar em vigor em Março. Bilhetes dos autocarros e comboios que cruzam as fronteiras com França, Alemanha e Bélgica também vão ser mais baratos.

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Cidade do Luxemburgo, no Luxemburgo. Transportes passarão a ser totalmente grátis em Março REUTERS

Só a partir de Março é que cidadãos e trabalhadores do Luxemburgo poderão deixar de tirar bilhetes nos comboios e autocarros, mas esta terça e quarta-feira — último dia de 2019 e o primeiro de 2020 — vão poder experienciar um pouco daquele que será o primeiro sistemas de transportes públicos grátis do mundo.

O Governo do Luxemburgo anunciou no fim de 2018 que ambicionava tornar o país na primeira nação do mundo a abolir os transportes colectivos pagos. Este é um dos passos mais importantes dados pelo Executivo para incentivar a mobilidade sustentável, já que a cidade do Luxemburgo sofre de uma das piores crises de congestionamento rodoviário do mundo.

De acordo com o Índice de Tráfego Global da empresa de análise de dados INRIX, quem conduziu na capital luxemburguesa em 2017 passou em média 28 horas preso no trânsito. Ainda que este valor tenha caído em comparação com 2016 (nesse ano, os condutores fizeram-no durante 33 horas) ainda coloca a cidade do Luxemburgo em 15º lugar no que toca a locais onde os condutores passam mais tempo dentro do carro nas horas de ponta.

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Além da circulação gratuita dentro do país, os bilhetes dos autocarro e comboios que cruzam as fronteiras vão ficar mais baratos. Na capital do país vivem cerca 110 mil pessoas, mas outras 400 mil deslocam-se diariamente para a cidade, vindas não só de outras zonas do país como também das vizinhas França, Bélgica e Alemanha — destes países chegam diariamente 175 mil pessoas a uma nação com uma população total de 602 mil habitantes.

A ideia já fazia parte dos planos do Governo de coligação liderado por Xavier Bettel, que já havia prometido dar prioridade à resolução dos problemas ambientais do país. O certo é que a medida vai beneficiar não só residentes e trabalhadores, mas também os cerca de 1,2 milhões de turistas que o país recebe por ano. Mas o que poderá alcançar este plano — ou como vai ser executado?

Mais pessoas, mais automóveis

Segundo as estatísticas oficiais do país, nas últimas quatro décadas a população do Luxemburgo aumentou em quase 240 mil pessoas, enquanto a mão-de-obra activa passou de 161 mil pessoas em 1998 para 427 mil pessoas em 2018 — muito graças aos trabalhadores que se deslocam diariamente dos países vizinhos.

Como consequência do aumento destes dois factores, o Grão-Ducado possuía em 2017 o maior número de automóveis por habitante na União Europeia (incluindo carros de trabalho registados no país e usados por trabalhadores transfronteiriços não residentes) — com 670 carros por cada mil habitantes. Além disso, mais de 60% dos cidadãos usavam os seus carros para chegar ao trabalho e apenas 19% usavam os transportes públicos. 

Ainda assim, e segundo afirmou no início do ano o ministro da Mobilidade e Obras Públicas do Luxemburgo, François Bausch, à BBC, reduzir o congestionamento e contribuir para a resolução dos problemas ambientais não são os principais pesos na balança da iniciativa. “É uma medida principalmente social. O objectivo é acabar com o aumento do fosso entre ricos e pobres. Para as pessoas com baixos rendimentos as despesas dos transportes são importantes. É mais fácil torná-los grátis para todos”, disse.

Apesar de o Luxemburgo ser visto como um país rico (possui o salário médio anual mais alto de todos os países da OCDE), de acordo com os dados do Gabinete de Estatística do país, treze por cento dos trabalhadores e quase 10% dos reformados estão em risco de pobreza e o sistema de transportes públicos gratuitos é apenas uma das medidas que o Governo quer implementar nos próximos meses, como o aumento do salário mínimo, ajustes na reformas e ajudas financeiras para o ensino superior.

A estratégia do Governo

Para colocar o sistema em prática, e de acordo com a BBC, o Executivo planeia investir em infra-estruturas de transporte e na nova estratégia de mobilidade aprovada em Maio de 2018. Entre outras medidas, a Modu 2.0 prevê que a rede de transportes públicos seja utilizada por mais 20% da população até 2025, o aumento da taxa de ocupação média dos carros e a redução do congestionamento na hora de ponta.

Para que estes objectivos se concretizem será necessário modernizar a rede ferroviária, melhorar as ligações transfronteiriças e criar novas plataformas para ligar autocarros e comboios — um investimento de 2,2 mil milhões de euros até 2023, um valor elevado se for tido em conta que as receitas dos bilhetes dos transportes vão desaparecer.

No entanto, tal como acontece em Portugal e noutros países, no Luxemburgo os transportes públicos para certos grupos já são subsidiados ou completamente gratuitos. Os menores de 20 anos, os estudantes com menos de 30 anos e as pessoas que ganham o salário mínimo já não pagavam os transportes. François Bauscha disse à BBC que os custos de implementação da rede gratuita serão “mínimos”, já que a receita anual dos bilhetes cobre menos de 10% (41 milhões de euros) dos custos operacionais do sistema de transportes (cerca de 491 milhões de euros).

Não é a primeira vez que o país toma medidas na área dos transportes públicos para reduzir a pegada ecológica: a maior parte dos passageiros já podem viajar por quase todo o país e pagar apenas 2 euros por uma viagem de duas horas. E o Luxemburgo também não foi o primeiro a pensar numa medida deste género, mas é a primeira nação a querer implementá-la em termos nacionais.

Na cidade de Dunkirk, no norte da França, há autocarros grátis desde 2018 — a medida serviu não só para revitalizar e diminuir a confusão no centro da cidade, mas também para diminuir a pegada carbónica da região. Também em Talin, na Estónia, todos os transportes públicos são grátis para os habitantes e visitantes com mais de 65 anos desde Janeiro de 2013.

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