Do virar da página aos riscos de retrocesso

Nas tradicionais mensagens de Natal do primeiro-ministro, Costa foi da surpresa pela nova fórmula governativa gizada em 2015 aos alertas pelas urnas de 2019.

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Cartaz com o slogan da última campanha eleitoral socialista FRANCISCO ROMAO PEREIRA

As mensagens de Natal dos primeiros-ministros são votos de cumprimento de objectivos, promessas de emenda e garantias de bom comportamento. Na anterior legislatura, António Costa andou entre o anúncio do virar da página da governação, em 2015, ao alerta dos riscos de retrocesso, no ano passado, com inconfundível sabor eleitoral.

“Estamos melhor, mas ainda temos muito para continuar a melhorar”, disse o primeiro-ministro no Natal de 2018. Foi numa mensagem de alertas que António Costa apontou metas: “Dar continuidade a este processo”, “os rendimentos têm melhorado, mas persistem elevados níveis de pobreza”, ou “eu não me iludo e não nos podemos iludir com os números”.

A dez meses da ida às urnas, o trabalho então feito era destacado com a prudência de quem confessa que a tarefa está inacabada: “Já conseguimos assegurar médico de família a 93% dos cidadãos, mas há ainda 680 mil portugueses que aguardam pelo seu médico.” Não é uma análise severa e, muito menos, de autocrítica.

Esta mensagem seria sintetizada em plena campanha eleitoral no “Fazer (ainda) mais e melhor” dos cartazes do PS. Este slogan não poderia existir sem os alertas de riscos de retrocesso do Natal, numa linha de continuidade que desagua, naturalmente, na propaganda.

“É um conjunto de fantasias sem adesão à realidade”, comentou na manhã seguinte, a 26 de Dezembro, André Coelho Lima, vogal da Comissão Política Nacional do PSD e a voz “laranja” autorizada para apreciar a mensagem natalícia. O resultado das eleições foi o que foi, e a realidade não chegou a ser a pretendida pelo PSD, que na ida às urnas de 6 de Outubro se ficaria pelos 27,76% dos votos e 79 deputados eleitos. 

Um ano antes, tudo fora diferente. Em Outubro, depois das tragédias dos incêndios de meados daquele mês e de Junho, a ministra da Administração Interna demite-se. Na sua carta de demissão, Constança Urbano de Sousa revela que já o pretendera fazer aquando dos primeiros fogos florestais na zona centro. No entanto, ficou em lume brando nas críticas do Presidente da República e da opinião pública.

A mensagem do primeiro-ministro é a dois tons num tempo agridoce: em 2017 o país saiu do Procedimento por Défice Excessivo e as chamas arriscavam queimar o Governo.

“Libertámo-nos da austeridade e conquistámos a credibilidade”, disse António Costa, anunciando novos tempos: “A verdade é que este ano vamos ter o maior crescimento económico desde o início do século.” Mas a zona centro fora devastada por duas vagas nunca vistas de incêndios.

A revitalização do interior e o reordenamento da floresta são obrigatórias na agenda política e entram no discurso de Natal. Uma mensagem avaliada como muito boa por Marcelo Rebelo de Sousa. “Falou [António Costa] realmente daquilo que se fez de bom e do muito bom que os portugueses fizeram este ano, mas também dos problemas, das tragédias”, avaliou o Presidente da República.

Do lado do maior partido português, o PSD, Santana Lopes, rival de Rui Rio na corrida à liderança, instado pelo PÚBLICO, avalia, como positivas, as palavras de São Bento. Rio prefere não comentar e Hugo Soares, ainda líder parlamentar da bancada “laranja”, acusa Costa de perder uma oportunidade: “Não foi capaz de trazer nada de novo ao discurso político.”

Menos de 30 dias após a posse

Em 2016, António Costa parece retomar uma paixão de António Guterres. A mensagem natalícia é sobre a Educação e é gravada fora da residência oficial do primeiro-ministro, no Jardim de Infância do Lumiar, em Lisboa.

Contudo, não há mero mimetismo face à estratégia guterrista. A democratização do conhecimento, como Costa define a nova meta, centra-se numa promessa, o ensino pré-escolar gratuito a partir dos três anos, e gira em torno de uma curiosa formulação: o défice do conhecimento.

Assim se defende o programa Qualifica para a educação e a formação de adultos, e são definidas a pobreza e a precariedade laboral como os maiores inimigos de uma melhor economia.

Falar nestes termos só é possível observando pelo retrovisor o ano de 2015, quando o Governo do PS, com a solução parlamentar à esquerda, cumpre o contrato escrito imposto pelo então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. O Produto Interno Bruto tinha um crescimento de 1,8%, o défice estava nos 4,4% e o desemprego era de 12,5%.

Menos de um mês depois do seu Governo tomar posse no Palácio da Ajuda, a 26 de Novembro, o primeiro-ministro fala no dia de Natal. Refere um tempo novo, que destruiu a concepção do arco da governação e abriu ao Bloco de Esquerda e ao PCP o apoio ao executivo.

António Costa traça como objectivo o quebrar do ciclo de empobrecimento vivido no executivo de Passos Coelho e Paulo Portas e na vigência da troika, para colocar o país nos carris do crescimento. Unindo crescimento a melhor emprego e à promessa de maior igualdade.

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