Museu da Vagina: o espaço que faltava

Se este museu conseguir ensinar, de uma vez por todas, que não há nada de constrangedor ou ofensivo no corpo feminino e que não há nenhuma razão para mitos e tabus, já cumpre um grande papel.

Foto
"The Origin of the World", de Coco Dolle Vagina Museum/Facebook

Há cerca de um mês, vários jornais e revistas anunciavam a abertura de um Museu da Vagina, no Mercado de Camden, em Londres, inspirado no Museu do Pénis – o Museu Falológico Islandês —, provocando em alguns adultos os comentários e risinhos típicos dos adolescentes que abordam pela primeira vez temas como sexo, menstruação e as mudanças que ocorrem nos corpos durante a puberdade. Pela minha parte, admito que fiquei um pouco apreensiva por algo tão necessário e profícuo estar a ser justificado em função da existência de um museu dedicado ao falo, que preserva actualmente um acervo com mais de 280 exemplares de 93 espécies de animais, como se de uma resposta se tratasse, quando as questões deveriam ser bem outras e todas relacionadas com o corpo das mulheres e como ele é apreendido socialmente.

Foto
DR
Foto
DR

De facto, um mês depois de o museu ter aberto as suas portas ao público (abriu a 16 de Novembro, graças ao generoso contributo de 1284 pessoas que responderam ao apelo da campanha de crowdfunding que se realizou durante o ano de 2019), com entrada gratuita, pude comprovar com uma visita ao local que Florence Schechter, a sua fundadora, justifica a necessidade da sua existência com motivos tão reais quanto estes:

  • Uma em cada quatro jovens adolescentes no mundo não aprende absolutamente nada acerca dos períodos menstruais, antes de os começar a ter; 
  • Uma grande percentagem de mulheres ainda se sente envergonhada quando vai ao médico realizar o exame ginecológico de citologia cervico-vaginal, realizado para rastreio do cancro do colo do útero, ou quando necessita de dizer aos seus empregadores que necessita de ir a uma consulta de ginecologia;
  • 60% das mulheres britânicas não consegue identificar correctamente a genitália feminina numa imagem;
  • Entre 2015/2016, mais de 200 meninas menores de 18 anos e mais de 150 menores de 15 anos realizaram labioplastias no Serviço Nacional de Saúde Inglês porque as jovens desenvolvem percepções irreais de como devem ser os seus órgãos genitais;
  • Uma boa parte das mulheres adultas continua a utilizar eufemismos para se referir à sua genitália (em Portugal, talvez “pipi” seja a mais utilizada quando falam com crianças e “partes íntimas” quando falam com adultos).

Depois destes dados, é fácil perceber que o novo museu tenha como missão:

  1. Divulgar conhecimento e aumentar a conscientização sobre a anatomia e saúde ginecológicas;
  2. Transmitir confiança às pessoas para que possam falar sobre questões relacionadas à anatomia ginecológica;
  3. Apagar o estigma que existe à volta do corpo e da anatomia ginecológica;
  4. Actuar como um fórum para o feminismo, os direitos das mulheres, a comunidade LGBT+ e a comunidade intersexo;
  5. Desafiar o comportamento heteronormativo e cisnormativo;
  6. Promover valores interseccionais, feministas e inclusivos, como o respeito, a integridade, o fortalecimento e a inclusão.

A verdade é que parece vocacionado para o sucesso porque sábado, dia 14 de Dezembro, o museu estava lotado com pessoas de todas as idades, o que segundo Dara Howley, uma das voluntárias que faz parte da equipa deste espaço, tem sido uma constante desde que abriu. As pessoas têm aparecido em massa para participar nas oficinas e conferências e para visitar a exposição Muff Busters: Mitos da vagina e como combatê-los, que se centra nos mitos que circulam na cultura popular, na Internet e em muitas outras plataformas sobre a anatomia ginecológica, incluindo os ideais da sociedade em relação à limpeza e aparência da vagina, à menstruação, contracepção e sexo. O objectivo desta exposição é demonstrar que cada indivíduo e o seu corpo são únicos e que mitos e lendas se aplicam apenas a contos de fadas. Confesso que um dos mitos que mais absurdo me pareceu foi o da irrigação vaginal com Coca-Cola após o sexo para evitar a gravidez e que, afinal, convenceu e continua a convencer imensa gente, depois de ter surgido no início dos anos 60 nos Estados Unidos.

Era esta informação que Margareth, uma senhora com 73 anos, estava a ler quando me disse que tinha sido levada ali pela sua neta, Anne, uma jovem de 20 e poucos anos, que fez questão de a levar para que ela pudesse ver com os seus próprios olhos como as coisas estão a melhorar. Porque a avó foi uma das muitas adolescentes que quando teve a menstruação pensou que tinha uma doença muito grave e que estava a morrer, pois não parava de sangrar. Foi, aliás, esta conversa que fez com que Carolina, uma jovem portuguesa do centro do país que se encontra a trabalhar num bar em Camden Market, se aproximasse de nós e nos contasse que a sua primeira visita à ginecologista, que herdou da mãe, teve como primeira abordagem uma célebre frase com voz estridente: “Vamos lá a abrir as pernas, que a partir de agora vais abri-las muitas vezes.” Escusado será dizer que não voltou lá e que só passados muitos anos teve vontade e coragem para escolher a sua própria ginecologista e realizar consultas regulares.

Já na fila para pagar os últimos livros da Laura Bates (Everyday Sexism e Misogynation, que se encontram à venda na loja do museu, onde também se encontram outros objectos relacionados com a temática, por exemplo um colar com um pingente com uma vagina que esgotou na primeira semana), observei um rapaz com cerca de 17/18 anos a identificar partes do corpo feminino num desenho fornecido pelo museu e pensei: “Ora, aí está! Se este museu conseguir ensinar, de uma vez por todas, que não há nada de constrangedor ou ofensivo no corpo feminino e que não há nenhuma razão para mitos e tabus, já cumpre um grande papel”. Isso contribuiria, entre outras coisas, para acabar com os risinhos e comentários tolinhos a artigos como este.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários