108 mortes por overdose e intoxicação alcoólica: os valores mais altos dos últimos cinco anos

Relatório que traça o retrato do país em matéria de álcool, droga e toxicodependências mostra ainda um aumento das mortes na estrada em acidentes de viação sob influência do álcool. Dos 172 mortos, 75% seguiam ao volante.

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A mistura de heroína com álcool ou benzodiazepinas está na base de muitas mortes por overdose Nuno Ferreira Santos (arquivo)

No ano passado, 49 pessoas morreram por overdose de opiáceos, cocaína e metadona. É um aumento de 29% comparativamente com o ano anterior, em que tinham ocorrido 38 mortes pelo mesmo motivo. E é, segundo o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (Sicad), cujo relatório anual é esta quarta-feira apresentado, o valor mais alto dos últimos cinco anos. Esta subida estende-se também às intoxicações alcoólicas, que causaram a morte de outras 59 pessoas, e aos acidentes de viação sob influência do álcool, dos quais resultaram 172 mortos.

As 49 mortes por overdose enquadram-se nos 307 óbitos em que, segundo o Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), foi detectada a presença de substâncias ilícitas, com informação da causa de morte. Em 65% dos casos foi detectada a presença de heroína, de cocaína em 51% e de metadona em 31%. Na quase totalidade (92%) destas mortes, as drogas ilícitas surgiam misturadas com álcool e benzodiazepinas.

Quanto às restantes 258 mortes com a presença de drogas, dividiram-se entre a morte natural (42%), acidentes (38%), o suicídio (14%) e o homicídio (3%).

Mas as substâncias ilícitas concorrem cada vez mais com o álcool no ranking de preocupações dos responsáveis do Sicad. As mortes por intoxicação alcoólica aumentaram 34% face ao ano anterior: 59 em 2018, contra as 44 de 2017. Por outro lado, os registos do INML dão conta de 1087 mortes no ano passado em que foi detectada a presença de álcool, acima das 977 do ano anterior. Ao mesmo tempo, os internamentos hospitalares com diagnóstico principal atribuível ao consumo de álcool, na sua maioria relacionados com doença alcoólica do fígado e com a síndroma de dependência alcoólica, também aumentaram: 4733 em 2018, 4425 em 2017.

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Não menos significativo é o facto de as mortes na estrada em acidentes de viação sob influência do álcool terem atingido o valor mais alto dos últimos seis anos: ao todo, 172 pessoas morreram na estrada. Destas, 75% iam ao volante.

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“Inverteu-se a tendência de descida contínua do número de vítimas mortais de acidentes de viação sob influência do álcool”, sintetiza o SICAD, cujo relatório não deixa ainda assim de notar que as mortes por doenças atribuíveis ao álcool baixaram ligeiramente em 2017 (2442 óbitos, face aos 2515 do ano anterior – não há ainda dados para 2018).

Os crimes por condução com uma taxa de alcoolemia igual ou maior a 1,2 gramas por litro de sangue também desceram ligeiramente dos 19.848 de 2017 para os 18.298 do ano passado.

Mais crianças e jovens em perigo por causa do álcool

No ano passado, subiu para 385 o número de crianças ou jovens que foram sinalizados junto das respectivas comissões de protecção por assumirem ou por estarem expostos a comportamentos relacionados com o abuso de álcool. É um aumento de 27% face aos 302 casos do ano anterior.

Ainda quanto ao álcool, e sendo verdade que houve uma diminuição global do número de pessoas em tratamento no ambulatório da rede pública (13.422 utentes em 2018 e 13.828 em 2017), o relatório do Sicad assinala o aumento dos utentes readmitidos (1202) e dos novos utentes (3403).

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As boas notícias são que as percepções do risco associado ao consumo de bebidas alcoólicas parecem estar a aumentar entre os jovens até aos 16 anos de idade. Nesta faixa etária, as práticas de consumo nocivo, nomeadamente a embriaguez e o consumo binge (cinco ou mais bebidas seguidas), têm vindo a diminuir, além de serem inferiores à média europeia. Acresce que há uma percepção de menor facilidade de acesso a bebidas alcoólicas em idades inferiores às mínimas legais e o retardar das idades de início dos consumos em populações jovens, além de uma diminuição do consumo per capita. Apesar disso, os responsáveis do Sicad mostram-se preocupados com o agravamento da embriaguez nos jovens com 18 anos e dos consumos de risco ou dependência entre as mulheres e entre os que têm mais de 44 anos de idade.

As mulheres constituem também um dos grupos onde o agravamento do consumo de cannabis mais se fez sentir, a par da faixa etária dos 25 aos 44 anos.

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No final de 2018, registava-se um aumento dos novos utentes em tratamento por problemas relacionados com o uso de drogas no ambulatório da rede pública: 1858 pessoas tinham iniciado tratamento no ano passado, contra as 1538 de 2017 – ano em que se registou o valor mais baixo desde 2012. Se somarmos os novos utentes aos que foram readmitidos, sobem para 3461 as pessoas que iniciaram um tratamento em 2018. No total, nesse ano, o ambulatório da rede pública somou 25.582 pessoas em tratamento - abaixo das 27.150 do ano anterior.

Acções preventivas “descontinuadas"

A heroína continua a destacar-se na maioria das estruturas de tratamento, mas, no ambulatório e nas comunidades terapêuticas licenciadas, a cannabis e a cocaína já surgem à frente da heroína. Isto, segundo o próprio Sicad, tanto pode reflectir uma maior articulação dos serviços e adequação das respostas às necessidades da população, como um aumento dos consumos, sobretudo no caso da cannabis.

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A diminuição do consumo injectado de drogas e a mudança dos comportamentos de risco, nomeadamente um menor recurso à partilha de seringas, garantiram algumas boas notícias: em 2017 e 2018, houve um decréscimo das infecções por VIH e SIDA associadas à toxicodependência. Em 2018, foram diagnosticados 973 casos de infecção por VIH, dos quais 227 de SIDA. Se recuarmos 15 anos, os casos associados à toxicodependência representavam 15% dos diagnósticos de infecção por VIH, numa proporção que desceu para os 3%, nos últimos cinco anos.

São “ganhos em saúde” que convém não desbaratar. Logo, “importa continuar a investir nas políticas promotoras do diagnóstico precoce” e do acesso ao tratamento, sobretudo porque os indicadores clínicos mostram que a infecção continua a ser diagnosticada tardiamente.

Num cenário em que se constata um aumento das quantidades disponíveis de bebidas alcoólicas, após a descida verificada durante o período de recessão económica, a par de uma maior circulação de drogas no mercado nacional, o Sicad alerta para a necessidade de uma aposta clara nas acções preventivas, as quais “têm vindo a registar perdas de continuidade e de reforço”.

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