Médicos que fazem urgências vão poder receber mais

Objectivo é reduzir o recurso a empresas prestadoras de serviço, que até Outubro custaram ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) 97,7 milhões de euros.

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Rui Gaudencio

Os médicos que trabalham nas urgências vão poder receber mais para compensar “a penosidade” e a “carga associada ao trabalho” prestado naqueles serviços. A medida está prevista na proposta do Orçamento de Estado (OE) para 2020 tendo como objectivo reduzir o recurso a empresas prestadoras de serviço, que até Outubro custaram ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) 97,7 milhões de euros. Em 2020, o SNS contará com mais 942 milhões no seu Orçamento.

“A ideia é ter uma autorização legislativa que permita estudar um quadro remuneratório diferente para os profissionais de saúde nas urgências que compense a penosidade e a carga associada ao trabalho em urgência”, explicou ao PÚBLICO fonte do gabinete da ministra da Saúde. Numa entrevista recente ao PÚBLICO, Marta Temido referiu que este era um tema sobre o qual estavam a trabalhar.

Esta foi também uma das reivindicações dos médicos durante o Verão, quando as urgências de quatro das maiores maternidades de Lisboa estiveram em risco de fechar. E mais recentemente pelos chefes de cirurgia do Hospital de Faro, que numa carta enviada à administração pediram um pagamento idêntico ao dos médicos tarefeiros.

Na proposta afirma-se que o Governo “substitui gradualmente o recurso a empresas de trabalho temporário e de subcontratação de profissionais de saúde pela contratação” de médicos para os quadros. E acrescenta-se que o Governo “fica autorizado a legislar” no âmbito das horas extraordinárias feitas em serviço de urgência. Dependendo do regime de trabalho, os médicos têm de fazer 12 ou 18 horas de urgência dentro do seu horário semanal.

A nova legislação será aplicada “desde que os respectivos serviços de urgência estejam integrados em urgências que tenham concluído processos de revisão”. Na entrevista, Marta Temido afirmou que “tem que haver equipas fixas o mais dedicadas possível” nas urgências, salientando, porém, que a criação de uma especialidade de urgência/emergência compete à Ordem dos Médicos.

Prazos da lei dos compromissos passam de três para seis meses 
Novidade que vem dar alguma margem de manobra aos gestores dos hospitais é a de que a lei dos compromissos e pagamentos em atraso vai ser adequada à especificidade do sector da saúde. Desde 2012 que os hospitais públicos e outros organismos da administração pública estão proibidos de contrair novas dívidas se não tiverem uma previsão de receita, até três meses, que permitam saldar estes pagamentos em atraso, mas a proposta de OE alarga estes prazos para o dobro, ou seja, para seis meses.

Ao longo dos últimos anos, esta lei tem sido muito questionada por vários intervenientes, sobretudo pelos administradores hospitalares, por ser quase inevitável o seu incumprimento neste sector cronicamente endividado.

“Os prazos de referência previstos” na lei dos compromissos e pagamentos em atraso para “as entidades públicas empresariais do sector da saúde com contrato-programa são alargados para o dobro”, estipula a proposta do OE para 2020. Neste conjunto figura a maior parte dos hospitais públicos do país.

Aprovada no início de 2012 pela então maioria parlamentar que sustentava o Governo PSD e CDS/PP, com os votos contra dos partidos da oposição, esta lei visava conter as hipóteses de os hospitais públicos empresarializados (EPE) contraírem novas dívidas, sem antes pagarem as acumuladas e vencidas (mais de 90 dias).

Esta folga que é dada aos gestores dos hospitais surge na sequência do recente anúncio do Governo de que vai disponibilizar, ainda este ano, mais 550 milhões de euros para que estas unidades possam pagar dívidas em atraso aos fornecedores.

Cuidados continuados 
Para 2020, haverá reforço da resposta de cuidados continuados e paliativos com a “contratação de 800 novas camas de internamento com um custo associado de cerca de 40 milhões de euros”. A saúde mental não ficou esquecida, como prometeu a ministra, e o OE prevê “a contratação de 200 novas respostas de saúde mental (encargos que ascendem a 1,3 milhões de euros)”.

No que diz respeito aos centros de saúde, “haverá um reforço da oferta de cuidados de psicologia e nutrição em cada agrupamento de centros de saúde (ACES) e a criação de 10 equipas de saúde mental comunitárias nas cinco administrações regionais de saúde”. As medidas têm um custo de 1,8 e de 2 milhões de euros, respectivamente.

Taxa para dispositivos 
O Governo volta também a insistir numa ideia antiga, que até agora não tinha conseguido concretizar. A criação de uma contribuição extraordinária sobre a indústria dos dispositivos médicos, à semelhança do que já acontece para a indústria farmacêutica.

De acordo com o documento, a contribuição extraordinária será aplicada aos “fornecedores, sejam fabricantes, seus mandatários ou representantes, intermediários, distribuidores por grosso ou apenas comercializadores, que facturem às entidades do SNS o fornecimento de dispositivos médicos e dispositivos médicos para diagnóstico in vitro e seus acessórios abrangidos”. Ficam excluídos deste regime “os dispositivos médicos para diagnóstico in vitro de grande porte destinados ao tratamento e diagnóstico”.

O valor da contribuição é aferido em função “do montante das aquisições de dispositivos médicos e tem por objectivo garantir a sustentabilidade do SNS”. A taxa aplicar é variável de acordo com o volume de vendas.

Assim, prevê-se que a um valor anual maior ou igual a 10 milhões de euros seja aplicada uma contribuição de 4%; a um valor anual maior ou igual a 5 milhões de euros 2,5% e a um valor anual maior ou igual a 1 milhão de euros e inferior a 5 milhões, a taxa a aplicar será de 1,5 %.

O OE define que a receita obtida com esta contribuição será atribuída a um “fundo de apoio à aquisição de tecnologias da saúde inovadoras pelo SNS”, que ainda vai ser criado pelos ministérios das Finanças e Saúde.

Está também prevista a criação de um acordo para sustentabilidade do SNS, que passa pela celebração de acordos entre o Estado e a indústria com a definição de tectos máximos de despesa com a compra de dispositivos médicos e reagentes. As entidades que aderirem a este acordo “ficam isentas da contribuição” extraordinária.

Hospital da Madeira 
Fica ainda confirmado que o novo Hospital Central da Madeira (orçado em cerca de 340 milhões de euros) vai ser co-financiado em 50% pelo Governo da República, como tinha reclamado a região autónoma e se tinha comprometido o primeiro-ministro em Novembro passado.

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